Esta crise é bicho mais raro e impiedoso. Esta é daquelas que vem para nos demonstrar que os fundamentos da nossa realidade estavam errados.
Algures no passado recente os húngaros que queriam comprar casa começaram a fazer os seus empréstimos em francos suíços. Hoje ninguém acha isto boa ideia e há até quem diga que a coisa só se explica por puro “analfabetismo financeiro” dos húngaros. Acontece que o dinheiro que eles poupavam por causa dos baixos juros suíços já mais do que o perderam com a queda da moeda húngara, que se chama forint. A crise estalou, o forint caiu desamparado, e os húngaros, com salários húngaros, continuam a pagar dolorosamente as suas hipotecas em francos suiços. Os que conseguem pagá-las.
Ora, os húngaros não se levantaram da cama um dia com a ideia fixa de contrair empréstimos em francos suíços. Quem os convenceu de que isto era um golpe fantástico foram os seus bancos. Que por acaso não são seus: pertencem na sua maioria a austríacos. A Áustria, por sua vez, pertence à zona Euro. Não dá jeito a ninguém que os bancos húngaros tragam para baixo os bancos austríacos. Mas, da maneira que as coisas estão, também não dá jeito a ninguém salvá-los. A Europa é, hoje, uma coleção de egoísmos, cada um deles representado por um governante, cada um deles a aproximando mais um passo da desagregação. Se algum deles vê a gravidade do que nos espera, nenhum parece disposto a encará-la.
Começámos 2009 dizendo “que passe depressa” para chegar logo 2010 e a recuperação económica. A atitude é rigorosamente errada: isto ainda mal começou.
***
Esta crise não é igual às outras, para passar daqui a uns meses e voltar tudo ao que era dantes. Esta crise é bicho mais raro e impiedoso. Esta é daquelas que vem para nos demonstrar que os fundamentos da nossa realidade estavam errados. Nenhuma destas crises (o Pânico de 1873, a Grande Depressão de 1929, a estagnação de que o Japão ainda não saiu) é igual às outras, salvo num pormenor: quando uma crise destas ocorre, não saímos como entrámos. Muda a nossa relação com o trabalho, mudam os planos que fazemos para a nossa vida, muda até a maneira como nos encaramos uns aos outros.
Segue um exemplo simples, com consequências complicadas. Disseram-nos que os altos salários e incentivos nos executivos da banca serviam para recompensar o “talento”. Concentremo-nos na última parte. Que talento é este, para além do feito de trazer o sistema financeiro para a beira do colapso? Se falarmos com alguns dos seus justificadores, dir-nos-ão que os executivos não têm culpa individual do que se passou, mas que a pressão dos acionistas e a ação conjunta dos seus pares não lhes permitiria agir de outra forma. Trata-se, portanto, do talento de fazer tudo como os outros faziam.
Este “talento” dos banqueiros não tem, portanto, nada a ver com o real talento de um pianista ou de um neurocirurgião, embora fosse mais bem pago. Ao contrário destes, o trabalho do banqueiro é — para dizer francamente — banal. Que talento é necessário para estar sentado numa pilha de dinheiro e, por exemplo, absolver uma dívida de 62 milhões a Manuel Fino?
Mas a coisa vai mais fundo: que interesse temos nós, enquanto sociedade, para compensar tão generosamente este talento? Dizem-nos que era gente muito inteligente, e eu não duvido. Por isso mesmo, preferia que estivessem antes fazendo outra coisa. Ainda vamos sofrer por bom tempo as consequências de lhes termos pago tão bem para este fiasco e não para descobrir vacinas ou construir pontes.
[do Público]
6 thoughts to “Um bicho raro e impiedoso”
Bem vindo de volta! E boa sorte na campanha.
Para já duas notas: eu tenho um livrinho assinado e com uma dedicatória para uma pessoa com a sua generosidade. Para onde o envio? Se preferir responda por mail
Segunda nota: isto de andar à tareia com o pessoal do insurgente sobre as falácias do neoliberalismo tem a sua graça. Se quiser passe lá pelo sítio: http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/03/insistencia-nas-falacias-do.html
Boa sorte para o séc XVIII
Carlos Santos
Boa sorte para a campanha do Bloco. Tens hipóteses de seres eleito.
«Quem os convenceu de que isto era um golpe fantástico foram os seus bancos.»
Mas como? Há uns largos anos, também por cá fiz um crédito à habitação em Ienes. Sendo maior e vacinado, aceitei correr um risco cambial em troca de prestações muito mais reduzidas. Foi o BFE a “convencer-me”? Se partirmos do princípio de que somos todos tontos à mercê do marketing, está bem…
Really superb information can be found on weblog.
植牙手術除了一般缺齒患者,最需要植牙手術的族群就是老年人了。人年紀漸長、身體退化,不只是皮膚上的老化,連肌肉組織、骨骼甚至是牙齒都會退化。老 年人口腔退化最主要是由於更年期過後,口水變少演變成乾口症,口水少導致口腔抵抗力變低,也因此容易造成蛀牙或是牙周病。因為蛀牙或是牙周病造成的牙齒脫 落與損耗就需要人工植牙手術的幫助了。
I read this article fully regarding the resemblance of most recent and previous technologies, it’s awesome article.