Vamos descrever três saídas hipotéticas para a crise, e ao mesmo tempo pensar um bocadinho no que elas querem dizer para Portugal.
A primeira é a “saída” de que políticos e economistas convencionais vêm falando de vez em quando. Há uma razão para os anúncios do “fim da crise” soarem repetidos, ambíguos e, passado pouco tempo, a falso alarme. É que nesta alegada saída da crise não há exactamente saída nenhuma, muito menos bem demarcada e notória, que marque o momento em que transitámos entre a crise e a pós-crise. O que se passa é que a queda desembestada em que estávamos se pode ter desacelerado um pouco. Esta “saída” da crise não é pois saída: é antes um suspiro de alívio por nos termos “livrado do pior”. E se o “pior” for medido por cenários como os da Islândia ou da Estónia, ou da Argentina de há uns anos, ou dos EUA nos anos 30, o suspiro é até justificado.
(O segredo que não nos estão a contar é outro: se imprimirmos em papel vegetal os gráficos da Grande Depressão e os da actual crise eles encaixam perfeitamente em vários aspectos. E a Grande Depressão também teve um suspiro antes de se lançar na sua segunda — e pior — queda, mais ou menos no momento em que agora estamos. A esperança é que, uma vez que isto já aconteceu, tenhamos aprendido a evitar a segunda parte da história.)
A segunda saída é menos má. Trata-se de um cenário em que, depois do despiste, conseguimos voltar à estrada, mas para andar mais devagar do que antes. Para certas pessoas, à direita (mas também à esquerda, entre os que acham que o anterior crescimento era insustentável) esta saída é exactamente aquilo que merecemos e por isso aquilo que vamos ter. Mas esta estagnação a longo prazo tem custos. Sem crescimento, os estados vão ter dificuldade em congregar recursos para investimento ou apoio social. As pessoas, sem acesso a novo crédito, não vão poder manter o nível de vida que tinham. E, acima de tudo, não se sabe quanto tempo poderá durar este estado de coisas; pelo que, no fundo, esta também é uma saída que não é exactamente uma saída.
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Perante uma crise, nós partimos sempre da ilusão de que há uma normalidade e que, depois da crise passar, voltaremos ao “normal”. No entanto, esquecemo-nos de que se uma crise for suficientemente forte (como esta), pode até mudar aquilo que se entende por “normal”.
E esquecemos também que, em certos casos, mesmo o “normal” pode ser bastante decepcionante.
Em Portugal, por exemplo, se existe “normalidade”, ela continua a ser a de um país que desperdiça os seus recursos humanos através da desigualdade, da precariedade, do desemprego e da falta de acesso ao conhecimento. O nosso normal é, no fundo, medíocre. Ora, tanto esforço e tanto sacrifício para voltarmos ao que já éramos dantes não é motivo para celebrações.
Ainda não vos falei da terceira saída. Ela é a que deve ser adoptada, vigorosamente, pela esquerda: utilizar o combate à crise actual para combater também o nosso atraso estrutural. Propor às pessoas uma saída por cima é a única forma de as motivar, e marca uma inultrapassável diferença em relação à direita, que propõe apenas uma contracção da vontade pública — porque, no fundo, a direita portuguesa acha que a música a que estamos habituados é a música que merecemos.
À esquerda, eu diria que nos concentremos agora numa nova partitura. Se ela for bastante boa, os intérpretes hão-de aparecer.
8 thoughts to “Três saídas”
Na minha modesta opinião o grande mal até agora é precisamente tentar resolver a crise através de um qualquer justificação ou até medida política.
O que a meu ver irá resolver e não definitivamente a crise, porque isso é sempre impossível, serão medidas e regras puramente económicas que terão de ser adoptadas isso sim por governantes de coragem, quem irão ser?, não sei.
Ha carros a mais, ha casas a mais, enfim toda a gente sabe que existem produtos em demasia e existe um profundo problema entre a orientação da oferta e da procura, motivo pelo qual nos é dada uma ilusão sobre os indicadores económicos.
A meu ver esta é uma crise com um gráfico em “L” onde existiu um forte abrandamento da economia e progressivamente consoante as medidas que forem sendo tomadas, a economia voltará a acelerar.
Efectivamente temos que deixar de colocr na cabeça de todos que a esquerda tem o milagre par resolver a Crise= não tem. O que todos esquerda, direita, cento, temo que nos convencer que estávamos a viver para e no consumo desmedido e crescente, sem regras, sempre mais, mais, mais. Isto acabou. Ou entramos por uma via de termos qualidade de vida com contenção, com limites, sem assumir que podemos quase todos ter de tudo e quando temos queremos sempre mais e nunca aproveitamos nada por que queremos mais, ou enrolamo-nos sistematicamente em Crises, e mai Crises, até rebentar, de vez. A solução é não imitar o que não resultou é fazerdiferente, é ter a noção de que estamos n vida para a bem viver o que não implica só ter, ter, ter….
Neste 14 de Julho, gostaria de salientar que os valores da Revolução Francesa e do Iluminismo estão na ordem do dia. Vivemos numa sociedade absolutista, em que alguns, cerca 5% da população vive luxuosamente e a grande maioria com muitas dificuldades. O nome deste novo absolutismo materializa-se na chamada economia de casino.
As consequências deste sistema que apela ao individualismo, ao narcisismo e ao consumismo estão à vista de todos. O Rui Tavares aponta as saídas principais, uma de continuidade, uma de paninhos quentes e outra de ruptura.
Concordo com a última, a mudança. Embora de tanto agrado verbal dos defensores da continuidade e dos paninhos, nunca a aplicam no sentido dos valores que prezo, os do Iluminismo.
Os paninhos quentes é a corrente predominante em Portugal, que encontra bodes expiatórios para a crise, os portugueses são despesistas, não sabem poupar, e outros disparates assim. A economia liberal que realmente defendem dependem desses despesistas e materialistas q em tempo de crise perseguem, para esconder os reais responsáveis, que a meu ver são os absolutistas que governam directa ou indirectamente o nosso país.
A crise só tem uma resposta, a mudança democrática, com valores e com a participação das pessoas.
Nada volta a ser igual, á direita, á esquerda ou ao centro , pois a economia não encontrou o seu ponto de reequilibrio, que os modelos liberais tanto preconizavam, e a intervenção dos Estados não têm demonstrado serem suficientes para a impulsionar. Uma verdade surge premente , a orientação do “motor” para os países emergentes , onde as desigualdades sociais e económicas se vão agravar e o controlo dos intervenientes no mercado é nula.
O que provocou o caos económico , político e social ? A falta de Valores ( o tal materialismo e despesismo sem referencias )…. procura-se e propõe-se encontrar brevemente
Como é mais que evidente, o nosso, GLOBAL, problema, são os valores, as referencias, o rumo, tudo já era!!! Não interessa de modo algum estarmos agora voltados para o passado, que também já era! Fazer mais do mesmo, leva-nos ao mesmo ponto!! Mau será!! Ter ideias impraticaveis, não resulta!
Estar sempre do contra, ainda menos!! T
Tentarmos todos ajudar, é essencial. Ou optemos por continuar a pensar que somos só nós – sejamos quem formos – que somos o senhores da razão, que o resto são palermas, e talvez nos afundemos todos de vez.
Referencias, valores, educação, democracia, tudo junto, será ainda a alernativa!!!ou nem por isso!!
temos que acreditar que vale a pena a nossa intervenção
😉
Será essa saída por cima o modelo dinamarquês?
Rui,
Desde já queria felicitar-te pelo post! Depois queria transmitir-te que julgo que a essência do pensamento não estará necessariamente nesse estado “normal” poder não ser assim por vivermos uma crise desta amplitude. A questão está que voltarmos a esse “normal” é voltarmos à nossa crise de sempre, essa nunca deixou de estar presente no nosso contexto social e político, vive no seio do caminho que temos traçado, e é perante essa realidade humanista que deveremos procurar que o pensamento de esquerda renovado, ampliado, e coerente se imponha no curso de uma política que transforme uma realidade empobrecida numa cidadania equilibrada. A esquerda europeia, infelizmente, sofre ainda os efeitos da imagem do período soviético. Hoje precisamos de saber renovar a esquerda, de construir uma imagem de esquerda com muitos os princípios que esta esquerda apresenta mas apagando referências falhadas. Doutro modo, não será possível transformar Portugal num país mais justo e onde a igualdade e a valorização das pessoas continuará a ser preterida face a grupos económicos, a concepções neo-liberais e a uma política europeia mais injusta, onde Portugal será dos países que mais sofrerá com isso.