A nossa sociedade está a ficar mais rica. Nós estamos a ficar mais pobres. E há quem ache que isto é normal.

Decoremos então este nome: Antoine Deltour, francês, 28 anos. Algumas das suas palavras a um jornalista:

“Há muitas pequenas e médias empresas que passam por dificuldades para poder fazer face à sua carga fiscal, e no entanto vejo que as multinacionais não contribuem com a sua parte para o esforço conjunto. Sou cidadão, pago os meus impostos como você, e gostaria que as multinacionais pagassem também a parte delas ao mesmo título que eu pago os meus impostos sobre o rendimento.”

Banal, não é? Toda a gente acha o mesmo. A diferença é que Antoine Deltour arrisca agora uma pena de prisão de cinco anos e uma multa de mais de um milhão de euros por isso.

Enquanto contabilista, Antoine Deltour trabalhou durante um par de anos na PricewaterhouseCoopers, empresa que ajuda multinacionais a fugir aos impostos, legalmente, através do Luxemburgo. Antes de demitir-se, copiou um dossier com milhares de documentos provando centenas de milhares de milhões de euros em transações de multinacionais realizadas noutros países que são taxadas irrisoriamente no Grã-ducado. Esses documentos foram entregues, anos depois, ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, e é assim que Antoine Deltour está agora num enorme sarilho.

Como Edward Snowden ou Bradley Manning (agora Chelsea Manning) antes dele, é possível que Antoine Deltour tenha cometido um crime. Mas sem esse putativo crime, seria mais fácil a toda a gente ignorar uma imoralidade em larga escala que decorria já há anos, e que agora temos uma oportunidade para fazer parar.

Há 500 milhões de cidadãos na União Europeia, e mais ainda no resto do mundo, que têm razões para estar gratos a Antoine Deltour. Com um só ato, pacífico e ordeiro, ele pôs o dedo na maior das contradições da economia atual. Essa contradição exprime-se em três frases. A nossa sociedade está a ficar mais rica. Nós estamos a ficar mais pobres. E há quem ache que isto é normal.

Todos os dias nos dizem que teremos de nos desabituar de uma sociedade de bem-estar, igualitária e com um nível substancial de provisões e proteções públicas. A razão para isso, dizem, é que já não há dinheiro. Os documentos de Deltour relembram que há, sim, muito dinheiro. Ao contrário das pequenas e médias empresas que fecham as portas por não conseguir fazer face a uma economia em contração, as multinacionais que se escapam aos impostos são as companhias que mais sucesso têm no mundo, mesmo em crise. Algumas delas, recentes e de base tecnológica, ultrapassaram em capitalização as grandes empresas do passado, como as petrolíferas ou as grandes construtoras de automóveis. Comparativamente, são empresas que empregam muito pouca gente, e que portanto contribuem pouco para os sistemas de segurança social. E não têm, é claro, um problema de dinheiro a menos. Fogem aos impostos porque as outras também o fazem, e aí está também a razão para que se resolva tudo de uma vez — pelo menos ao nível europeu, como tem sido proposto aqui.

Isso só acontecerá, contudo, se os 500 milhões de cidadãos europeus o exigirem aos seus governos. Antoine Deltour foi apenas um indivíduo que disse “se não eu, quem?”. Chegou a altura de todos nos fazermos a mesma pergunta.

(Crónica publicada no jornal Público em 17 de Dezembro de 2014)

 

2 thoughts to ““Se não eu, quem?”

  • Álvaro Ferreira de Melo

    Eu sou a favor de uma repreensão com prémio para a atitude do jornalista francês.
    1º- A repreensão, porque não se deve revelar segredos profissionais.
    2º- Um prémio por ter posto a público uma injustiça, a qual devia dar direito a uma punição do estado em causa. Sim, deve haver uma liberdade de movimento de capitais, mas que não pejudicasse financeiramente outro estado (impostos). Se querem moeda única, então devemos ter leis fiscais iguais. E um aparelho de fiscalização igual, bem equipado tanto tecnologicamente como de recursos humanos eficiêntes.
    Um dia um professor universitário me comentava, “Portugal tem as leis como cestos de vindima e a Alemanha como bacias de plastico”.
    É bem verdade, que na Alemanha tanto o grande como o pequeno sâo apanhados pela justiça. Já em Portugal, quem estiver ou tiver alguém, que os informe das fugas das tais ditas cestas, podem escapar à justiça.

  • Deena

    Et si et si8;#230;..C&#&2178est un peu juste comme commentaire, faites se que vous voulez mais laissez les autres faire également leur bénévolat comme il leur plait.Dois-je vous rappeler que la FNPC et son président à titre personnel ont été condamnés solidairement en première instance par le TGI de Nanterre !Alors, même les juges sont complices de l’ADPC 94 ?faux pseudo = peu crédible !

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