Quem acompanha esta crónica leu muitas vezes que a reestruturação das dívidas públicas europeias é necessária e porquê. Quem leu este jornal na semana passada ficou a saber que o FMI defende agora a reestruturação da dívida grega e que Mario Draghi do Banco Central Europeu se referiu à necessidade da mesma de forma adequadamente lacónica: “indisputável”.

Agora falta o “como” e o “para quê”. Mas antes disso vamos recapitular a posição de Wolfgang Schäuble, ministro das finanças alemão, que afirma que a dívida grega só pode ser perdoada caso a Grécia saia do euro.

Na última crónica expliquei que o artigo dos tratados que Schäuble cita se aplica à União e não só ao euro. Trata-se do artigo 125 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), era conhecido pela “cláusula anti-resgate” (onde isso já vai…), e começa por dizer simplesmente que a União não assumirá os compromissos dos estados-membros. O leitor sagaz pergunta: não será esse um problema?

A resposta é que há muitas formas de fazer uma reestruturação das dívidas públicas europeias que são perfeitamente compatíveis com os tratados. O Sr. Schäuble sabe disto, mas preferiria que os outros europeus não soubessem. Vamos a isso.

Schäuble sabe que ele próprio organizou os resgates de forma a contornar o artigo 125, fazendo deles resgates multilaterais e não da União. A reestruturação pode também ser multilateral. Até o mesmo artigo 125 permite “garantias financeiras mútuas para a execução conjunta de projectos específicos”, de que a reestruturação e relançamento económico pode ser um caso.

Em segundo lugar, o conjunto dos 19 países da zona euro (ou até menos) pode realizar uma emissão de títulos para financiar a reestruturação, protegendo assim os contribuintes, e relançar a economia através de um estímulo. Chama-se a isto uma “cooperação reforçada”, precisa de um mínimo de onze países, e tem base legal nos tratados (artigo 329 TFUE).

Há ainda o artigo 352 TFUE, que permite ao Conselho determinar por unanimidade uma política não prevista nos tratados desde que seja para atingir objetivos da União (que incluem a “coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros” e até, pasme-se, “o pleno emprego”). Este artigo pode ser usado, por exemplo, para criar uma instituição que funcione como câmara de compensação e agência de investimento, limpando dívidas e apoiando projetos de futuro para a economia (chamo-lhe uma “agência Ulisses”).

Poderíamos continuar. O que importa, numa renegociação da dívida, é o alívio proporcionado a um estado e à sua economia. O Financial Times sugere apenas uma moratória sobre os pagamentos, que poderia durar décadas e é perfeitamente legal. Ou a União poderia aumentar os fundos estruturais para compensar os pagamentos de dívida. Também se pode usar o Banco Europeu de Investimentos e o seu Fundo, que já existem.

Em meia crónica, pelo menos meia dúzia de soluções. Há muitas outras. A reestruturação vai acontecer e não deve ser só da dívida grega. Ela é essencial para aliviar os países em crise, criar emprego, e dar futuro à paz, cooperação e desenvolvimento no continente. O que importa agora é saber onde vai estar Portugal neste debate.

(Crónica publicada no jornal Público em 20 de julho de 2015)

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