No diário El Mundo: “Portugal no es una provincia de España — enfatizó Manuela Ferreira Leite, exaltada, en el debate”.

A diferença entre um debate e o governo é que no debate é preciso ganhar às expectativas. No governo é preciso ganhar à realidade. A diferença entre uma coisa e outra é que, no primeiro caso, basta ser menos mau do que esperavam de nós. No segundo caso é preciso ser o melhor possível.

(Na verdade, ninguém ganha à realidade. Mas é preciso tentar sempre.)

A realidade, para Portugal, não é favorável. Um país pequeno e periférico ou quase, com mais tempo de autoritarismo do que de liberdade, mais tempo de ignorância do que de conhecimento. Ganhar à realidade, no nosso caso, significa fazer das fraquezas forças; onde há pequenez criar cosmopolitismo, onde há prepotência exigir democracia, onde há desvantagens naturais inventar possibilidades alternativas. Ganhar à realidade significa, pelo menos, fazer por isso.

O problema do comentário político, tal como ele é feito em Portugal e noutros lados, é contribuir para esbater esta diferença. O comentário político trivial sobrevive à conta da amálgama e no seu mundo só existe gestão de expectativas.

É neste mundo, por exemplo, que basta Manuela Ferreira Leite aparecer em estúdio para nunca perder um debate. Manuela Ferreira Leite joga apenas contra si própria. Uma vez que Manuela Ferreira Leite é inábil com as palavras, justificam os comentadores, ela na verdade não perdeu nenhum debate. Até ganhou — em relação às expectativas. O que quer dizer que se calhar empatou. E, no caso dela, empatar já é ganhar! Mesmo perder por poucos já seria ganhar por muitos. Eu vi dois debates de Ferreira Leite (com Louçã e com Sócrates) e em nenhum dos dois ela se limitou a perder por poucos. Mas chegou ao fim; não saiu do estúdio a meio. Às vezes levou as frases até ao fim. Parabéns!

***

Mas a realidade não quer saber das expectativas. E ser inábil com as palavras, convenhamos, é um pouco mais do que um pormenor. Vejamo-lo com um caso prático do debate de ontem.

Ao ouvir Manuela Ferreira Leite repetir, por uma e outra vez, e sempre com irritação, que “Portugal não é uma província de Espanha”, lembrei-me de algo que escreveu António José Saraiva — que provinciano não é aquele que habita na província, mas quem nutre um complexo de inferioridade em relação às outras partes do mundo.

Manuela Ferreira Leite justificou a sua imprecação com referências ao alegado comportamento que teriam tido alguns autarcas da fronteira que a pressionavam por causa do TGV. O provincianismo de Ferreira Leite não necessita, pelo que se entende, de que Zapatero ou o rei falem contra Portugal; basta-lhe a suposta reclamação do alcaide de um daqueles lugares onde se compra caramelos.

O resultado foi, na imprensa espanhola, aparecerem títulos declarando aquilo que aos seus leitores não passaria pela cabeça. No diário El Mundo: “Portugal no es una provincia de España — enfatizó Manuela Ferreira Leite, exaltada, en el debate”.

Sugeria eu no início que governar é tentar ganhar a uma realidade adversa. Se a nossa realidade geográfica é o que é, semi-periférica e encostada a um vizinho cinco vezes maior, Manuela Ferreira Leite acabou de lhe dar uma ajudinha. De cada vez que ela supera as suas expectativas, os comentadores dão-lhe palmadinhas no ombro — e as nossas possibilidades fecham-se um pouco.

[do Público]

9 thoughts to “Quero lá saber das expectativas

  • NS

    Opá, Rui, isto está visto que o traçado PSD do TGV, a existir um dia, passará pelo norte de África e reentrará na Europa pela Turquia, lá do outro lado, que é para esses espanhóis não pensarem que andam a encher o bucho à nossa custa. Ou eles pensam que para se ligarem à «Europa» por alta velocidade lhes basta a França?!
    Enfim, triste triste é que a queda do poder nas mãos de MFL se ponha hoje como bem mais do que uma hipótese meramente académica. Será queda para coma certinho.

    Abç.

  • Augusto Küttner de Magalhães

    De facto convém medir, o que nos espera o futuro se MFL vier a ser PM. E já terá estado muito mais longe.
    E tiradas as medidas, talvez seja refectivo vs definitivo, deixar lá José Sócrates!
    Pode ter feito disparates, cometeu erros, mas também fez muito que outros não tiveram coragem para fazer, e não tem tiques de regresso a “passados” mal-vividos…..com mais de 6 mees sem democracia.

  • Desculpará, mas é porque gosto de si que digo que o seu artigo de hoje (16/9/2009) no Público é impressionante no mau sentido. Só tenho tempo para isto:
    1. As causas das crises (desta como das passadas e das futuras) são efectivamente múltiplas e dificilmente atribuíveis a pessoas (e ainda menos a políticas) concretas;
    2. Ao contrário do que parece pensar as “políticas”, ou as leis se preferir, não têm assim tanta força conformadora da realidade;
    3. O “sistema económico” que qualifica de liberal – mas onde as actividades financeiras eram e são efectivamente hiper-reguladas – conduziu efectivamente à crise, mas no caminho possibilitou que muitas pessoas tenham melhorado de condição económica e social e designadamente a que tenham hoje casa muitos cujos pais viveram em barracas. O saldo é largamente positivo;
    4. As crises fazem parte da vida das pessoas e das sociedades e nunca serão erradicadas. As intervenções voluntaristas, revelaram-se, historicamente, ou inúteis ou nocivas e causadoras de milhões de mortes.

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Penso como é evidente que a economia de mercado deve funcionar, que não há alternativas ao cailismo. Ms uma muito maior regulação, é indispensavel, e refrear o consumismo desnorteado.

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Penso como é evidente que:
    – a economia de mercado deve funcionar,
    – não há alternativas ao capitalismo.
    Mas uma muito maior regulação, é indispensavel, e refrear o consumismo desnorteado.

  • Tiago Grosso

    Sinceramente não sei como é possível tanta benevolência com esta senhora.

  • luis

    Não sei se a Manuela não tem (desta vez) razão sobre o tgv. Vou só lembrar que há apenas 1 comboio diário para Madrid, mais meia-dúzia de expressos, e o número de vôos diários também não é grande. Não parece haver muita gente a viajar entre as duas cidades. Essa coisa de gastar vários biliões de euros para nos “integrarmos” na Europa, não é um capricho?!
    Que dizer dos seguintes estudos?

    http://issuu.com/ffurtado/docs/tgv_policy_fbf

    http://bloguex.blogspot.com/2009/06/estudo-sobre-o-tgv.html

  • Jaime taveira

    Caro Luís,

    Com as insuficiências da actual linha Lisboa-Madrid é que o comboio fica irremedavelmente impedido de captar passageiros… É por isso que é indispensável investir numa linha como deve ser!

    E por que é Portugal deve investir em caminho-de-ferro? Porque é suicidário continuar a aumentar a sua pegada ecológica e a sua dependência do Petróleo! Aliás, esse é um dos principais motivos que leva a Europa (e não só) a construir uma Rede Europeia de Alta Velocidade – que Portugal deve integrar, se não pretender ficar isolado e desfazado.

    Acha que a Rede Europeia de Alta Velocidade é um capricho? Acha que os Franceses, Espanhóis, Italianos, Alemães, Holandeses, Belgas, Ingleses, Japoneses, Coreanos, Chineses, Taiwaneses, Americanos, e muitos outros, investem fortemente em alta velocidade por capricho?

    Quanto aos “estudos” que indica, não se deixe impressionar: O primeiro é, no mínimo, muito mais discutível do que os estudos que critica; O segundo, é um mero delírio – afirmar que se podia ligar Lisboa-Madrid em 4h em Alfa Pendular e, para cúmulo, sugerir que tal dispensaria um forte investimento na linha, é quase tão parvo como afirmar que para uma pulga perneta entrar em órbita bastar-lhe-ia dar um saltinho…

  • Sidney Ruel

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