O provincianismo dos grandes acabou por fatalmente contaminar a visão da Europa sobre si mesma, e distorcer-lhe a visão sobre o resto do mundo.

Não há provincianismo mais irritante, nem mais perigoso, do que o dos grandes centros, em particular os países grandes e os que se julgam grandes. Mais irritante porque o provincianismo dos pequenos meios reconhece-se; o dos grandes centros é cego perante si mesmo e impossível de extirpar.

Mais perigoso porquê? Porque julgando ver o mundo, não vê senão a sua barriga. Não reconhece a diferença nem os matizes, e aplica a mesma receita estupidamente em todo o lado. Temos exemplos. Nada foi mais letal nesta crise do que ter os problemas da zona euro, respeitantes a dezassete economias, discutidos entre Berlim-Paris e Paris-Berlim. Nas próximas semanas e meses, teremos outro grande momento do provincianismo entre gigantes: o orçamento da União, respeitante a vinte e sete países, discutido entre Londres-Berlim e Berlim-Londres.

Se um pequeno é obtuso e estreito de vistas, em geral, não prejudica a mais ninguém senão ele mesmo. Quando um grande é obtuso e estreito de vistas, prejudica ainda mais aos outros do que a ele, e nem disso se apercebe.

O provincianismo dos grandes acabou por fatalmente contaminar a visão da Europa sobre si mesma, e distorcer-lhe a visão sobre o resto do mundo. Liderada pelos grandes países, a Europa continua sem saber o que fazer das economias emergentes, sem entender que a ascensão dos outros deve ser vivida com naturalidade. Não é possível, nem é necessário ou saudável, que o Atlântico Norte, com apenas dezasseis por cento da população mundial, tenha sessenta por cento do PIB do planeta. E é necessário que a região da Ásia-Pacífico cresça para alimentar os três biliões de bocas (e mais ainda) que ali viverão nas próximas décadas. O crescimento da China e da Índia representam apenas um regresso à normalidade da economia global durante quase dois milénios, com exceção do par de séculos que nos precedeu.

Mas o provincianismo dos grandes europeus também se reflete na maneira como olham para o curto prazo e as pequenas distâncias. Embora tenham já aceitado que, em muito breve, a União vá ter um executivo eleito, é-lhes muito difícil aceitar que os candidatos a Presidente da Comissão Europeia tenham de fazer campanha eleitoral em todos os estados-membros da União. Na próxima quinta-feira será votada no Parlamento Europeu uma emenda que propõe isso mesmo, e tem sido para já inexcedivelmente complicado explicar aos deputados dos grandes países por que é isso importante.

Talvez não o façam por mal; parece-lhes uma bizarria propor que um candidato a ser chefe do executivo de uma União com 27 países tenha de os visitar a todos e em cada um deles apresentar o seu programa eleitoral. Não vêem é claro, que caso contrário uma campanha se poderia concentrar em dois ou três países, e não entendem (pelo menos, não entendem à primeira) o que se perde com isso: ao apresentarem o seu programa em 27 países, os candidatos teriam de saber de que forma esse programa beneficiaria aquelas pessoas concretas, teriam de aprender e teriam de se comprometer com aqueles interesses e aquela maneira de ver o mundo.

Ou seja, teriam de superar a mentalidade mesquinha e tacanha a que injustamente chamamos provincianismo e que, a partir dos grandes centros, tem sido a tragédia da Europa atual.

(Crónica publicada no jornal Público em 21 de Novembro de 2012)

3 thoughts to “Provincianismo entre gigantes

  • se são gigantes são semi-continentais

    não são provinciais

    uma france ou uma germanie são cada uma 10% da semi-europa que não é russa

    das duas uma ou são gigantes económicos ou anões geográficos

    em qualquer caso dificilmente serão provincialistas ou provincianos essas urbanocracias

    quanto muito O crescimento da China e da Índia representam apenas um regresso à anormalidade da economia global pois a índia raras vezes foi um bloco económico mesmo quando foi unificada a sangue no século V

    e durante quase dois ou três milénios, a china com exceção do par de séculos de 75 anos cada que nos precedeu ou seja desde a guerra do ópio nº2 foi sempre uma massa voltada para a produção e o consumo interno
    tirando umas resmas de seda e porcelanas que pouco pesavam na sua economia
    foi sempre um império fechado e kamikazes à parte pouco interventivo fora da sua esfera local

    o facto de um tal de mittal dominar o império do aço mundial

    e um tal de deng ter tornado a china uma potência economicamente agressiva e neocolonialista por via comercial como o imp+ério britânico nunca foi diz muito de provincianismos e visões locais

  • Pedro Silva

    Bati nos “3 biliões” da Ásia-Pacífico e não pude deixar a rectificação a alguém que tem o seu lugar de destaque, ressalvando que um seu erro ortográfico honesto seja muito provável.
    A população mundial ainda vai nos milhares de milhão e longe dos milhões de milhão que são o bilião, como é entendido pelo menos em Portugal e França.
    O “billion” anglo-americano, contrariamente à tradução mais directa bilião, significa milhar de milhão.
    Assim, calculo que quisesse escrever “3 mil milhões”.

    Cumprimentos

  • Blondewithaphd

    No pólo inverso, o provincianismo dos que se auto-amesquinham e cronicamente se acham inferiores, que ladram aos gigantes só porque sim e que, no fundo, não sabem deixar d eser pequeninos.

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