É a conclusão possível para a teoria segundo a qual todos os humanos são “agentes racionais no mercado”, pelos vistos com a excepção dos habitantes deste cantinho à beira-mar: os portugueses andam enganados.

Notícias velhas: o eleitorado português virou à esquerda. Para quem estava desatento: o eleitorado está mais à esquerda do que os políticos.

Uma sondagem recente da Visão diz que os portugueses dão preferência, por largas margens, aos serviços públicos nas seguintes áreas: câmaras municipais, segurança social, hospitais e centros de saúdes, escolas e universidades, recursos naturais. Em todas estes itens a maioria é de quase dois terços. Nos transportes públicos é de pouco mais de metade. E nos bancos, única área em que os resultados são mais renhidos, 43,8% contra 39,7% preferem os bancos públicos aos privados.

Estes dados deixaram a direita desanimada e deprimida, repetindo aqui e ali ainda o queixume habitual. Os portugueses, lamentam-se mais uma vez, não prezam a iniciativa individual, não gostam de correr riscos e preferem a dependência do estado à liberdade no mercado. Partindo do princípio — ou do dogma de fé — de que uma sociedade privatizada seria naturalmente mais próspera, não resta senão aos defensores do mercado concluir que o nosso povo seria assim “culturalmente” estatista contra os seus próprios “interesses”. É a conclusão possível para a teoria segundo a qual todos os humanos são “agentes racionais no mercado”, pelos vistos com a excepção dos habitantes deste cantinho à beira-mar: os portugueses andam enganados.

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Ora, os portugueses conhecem bem a iniciativa individual — muitos deles não têm outra forma de vida — mas são forçados a reconhecer que geralmente compensa pouco. Quanto a correr riscos: neste país correr um risco é ficar onde se nasceu, o que explica a nossa elevada ansiedade social. No norte da Europa quem não “sobe na vida” fica, ainda assim, numa situação confortável. Em Portugal, quem não ascende socialmente pode resignar-se a tentar sobreviver com 600 euros mensais ou menos.

Nestas condições, os serviços públicos não são como a casa dos pais a que regressam ciclicamente os filhos preguiçosos. Pelo contrário, num país de débeis recursos para a maioria da população, os serviços públicos são um patamar mínimo que se funcionassem (ou quando funcionam) permitiriam (e por vezes permitem) à população activa dormir mais descansada e chegar um pouco mais longe. Não me parece que os portugueses defendam os serviços públicos por acharem que eles são perfeitos, mas por considerarem que eles são essenciais. E as notícias recentes de que os hospitais privados chutam os doentes de cancro para o público quando eles lhes ficam demasiado caros só vêm dar razão a esse sentimento.

A posição dos portugueses é, na minha interpretação, muito mais pragmática do que ideológica. Um português de setenta anos, por exemplo, viveu numa época em que uma educação acima da elementar era inacessível à maioria da população, o interior não tinha universidade ou hospitais, a electricidade não chegava à aldeia. O estado democrático — que não é, apesar de tudo, nenhuma máquina asfixiante — foi a forma que a nossa sociedade encontrou para se elevar um pouco a si mesma. Mesmo assim, chegado à idade em que já não pode “correr riscos”, o português idoso é bem capaz de se encontrar sozinho, inactivo e empobrecido. Não me parece que possa esperar grande coisa da nossa elite egoísta ou do mercado a quem ele não dá lucro. E tal como ele, acho que tem direito a esperar muito mais do estado que, afinal, é o seu.

[do Público]

2 thoughts to “Pragmatismo público

  • Francisco

    Mais uma vez na muche!

    Olha se puderes dá uma checada nestes dois trabalhos que fiz acerca de Lisboa, Política, Transportes e Sustentabilidade.

    http://mundoemguerra.blogspot.com/2009/04/ocupar-lisboa-ii-o-desafio-da.html

  • Carole Garton

    well, you got in – and that’s what matters.
    I’m sorry I didn’t know who you were. I was going to vote BE in any case as your party appears the only one to offer genuine solutions for the mess we’re in and a genuine desire to implement them – that is, before suffering “a sea-change into something rich and strange” like so many people with power.
    Good luck and may you and yours prove the exception!
    Britanica Furiosa.

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