Há outras perguntas, que deixaremos para futuros debates. Enquanto elas não estiverem respondidas continuará a parecer-me que a melhor via de saída para nós estará sermos uma economia altamente qualificada, e relativamente especializada, dentro da zona euro.

Nesta crónica gostaria de avançar com mais algumas reflexões sobre o debate da saída do euro. Comecemos por recapitular aquestão da “saída do euro sem saída da União”, ou seja, da ideia de que Portugal pode obter um posicionamento igual àquele de usufrui hoje o Reino Unido.

Para clarificar, o que seria necessário para Portugal ter um posicionamento igual ao do Reino Unido? Uma derrogação especial. Não há nenhuma outra maneira. Aqueles que defendem a saída do euro dizem “então negociemo-la”. Mas além de negociá-la é preciso que ela entre nos tratados. O Reino Unido, tal como a Dinamarca, têm a diferença crucial de terem obtido a sua derrogação quando os tratados estavam a ser escritos.

Conseguir o mesmo hoje significaria reabrir os tratados, com uma ratificação por todos os parlamentos nacionais (e, quem sabe, um referendo na Irlanda!). Isto demora meses ou anos. Não me pronuncio sobre as consequências deste período alargado de incerteza, pois antes de chegar aí o problema nem é esse. O problema é que as hipóteses de sucesso desta abordagem são reduzidíssimas, porque estaríamos sempre dependentes de um partido da Finlândia ou na Eslováquia que impedisse no seu país a formação de uma maioria parlamentar para nos conceder a nossa “derrogação especial”.

É pois provável que a resposta a um pedido de derrogação especial seria em 99% dos casos: “desculpem, mas não temos condições para iniciar esse processo”. Basta ver que se fosse prometida uma derrogação especial a Portugal, outros pediriam o mesmo, e outros pediriam o mesmo sobre outros assuntos (a França e a Holanda não se importariam de ter uma derrogação especial para a liberdade de circulação, evidentemente). O que nos traz de volta ao mesmo: a única saída do euro que depende estritamente de nós, — aliás, a única saída do euro que funciona no atual estado dos tratados — é a saída da União, com tudo o que isso implica.

***

Isto não quer dizer que a saída do euro — e da União — não possa ser uma opção. Mas para isso será preciso encontrar também uma estratégia a longo prazo para a economia e a sociedade portuguesas que não passe só por desvalorizar a moeda. Afinal, Portugal não vai no imediato fazer computadores, automóveis e todas as coisas de que necessita uma sociedade evoluída. Podemos atrair as fábricas da Apple que estão na China? Excelente. Mas é preciso explicar como.

Entretanto, é verdade, há capitais a ser repatriados para Portugal. Mas trata-se em boa medida de capitais de gente que fugiu com os seus euros e que está a comprar a pataco apartamentos, terrenos e empresas em Portugal, reforçando o que poderíamos chamar dea oligarquia portuguesa. Será esse o caminho para uma reforma progressista do país?

Há outras perguntas, que deixaremos para futuros debates. Enquanto elas não estiverem respondidos continuará a parecer-me que amelhor via de saída para nós estará sermos uma economia altamente qualificada, e relativamente especializada, dentro da zonaeuro.

Concordo que isso será trabalho árduo — e longo. E que o curto prazo nos está a asfixiar já. É por isso que fazer este debate é tão crucial.

(Crónica publicada no jornal Público em 19 de Junho de 2013)

5 thoughts to “Perguntas à saída do euro

  • alexandre

    Lido por aí e transcrito com a devida vénia:

    “É necessário um novo partido à Esquerda? [1]

    Evidentemente. Até diria mais. No mínimo são necessários mais dois. O terceiro é oferta.

    Publicada por Paulo Gorjão à(s) 10:14”

  • JVC

    A justificação de Rui Tavares para a sua tese de que saída da UEM e da UE são inseparáveis parece-me infundamentada, institucionalista e formalista, como tentei demonstrar no Moleskine. Aguardo a réplica de Rui Tavares.

  • A.Küttner

    Sempre oportuno o que escreve no Público.

  • A.Küttner

    Por certo tambem – até no seguimento do que vem escrevendo e sendo entrevistado – seja o tempo de mudarmos de politicos sempre instaladas e fazer verdadeira Politica.

    abraço

    augusto

  • Franisco

    Boa prespectiva do problema jurídico. Existe ainda a saida da UE de forma temporária que pode demorar até 2 anos segundo o tratado de Lisboa, e o país teria de negociar toda uma série de preparativos que poderão ser os suficientes para obter uma relação diferente com a UE, similar à que o RU vai obter, sim não a que tem. E esse processo estão em andamento.

    O tratado de Lisboa permite o seguinte no Art.º 35:

    «1. Qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, retirar-se da União;.
    2. Qualquer Estado-Membro que decida retirar-se da União notifica a sua intenção ao Conselho Europeu. Em função das orientações do Conselho Europeu, a União negocia e celebra com.
    esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Esse acordo é negociado nos termos do n.º 3 do artigo 188.º-N do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O acordo é celebrado em nome da União pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento Europeu;.
    3. Os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação referida no n.º 2, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado-Membro em causa, decida, por.
    unanimidade, prorrogar esse prazo;.
    4.Para efeitos dos n.º 2 e 3, o membro do Conselho Europeu e do Conselho que representa o Estado-Membro que pretende retirar-se da União não participa nas deliberações nem nas decisões do Conselho Europeu e do Conselho que lhe digam respeito. A maioria qualificada.
    é definida nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 205.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;.
    5. Se um Estado que se tenha retirado da União voltar a pedir a adesão, será.
    aplicável a esse pedido o processo referido no artigo 34.º».

    É que não havendo forma de negociar que permita à UE reconhecer as derrogações para o RU ou Dinamarca, ou mesmo o estatuto da Suécia então terá de se negociar durante dois anos em processo de saida da União uma novo acordo de associação.

    Prevendo todos os problemas inerentes a reintroduzir o escudo, sair da UE por 2 anos dará ao estado uma série de instrumentos de soberania para arrumar a casa. Diga-se mesmo que reintroduzindo uma pauta aduaneira a perda de valor relativa dos activos Portugueses seria bem menor, assim como a necessidade de grandes desvalorizações, e podere-se-ia muito mais facilmente impedir a fuga de capitais (a meu ver este é um falso problema, pois já não existem capitais de tal ordem para fugir, os depósitos são de valores muito baixos, e as grandes fortunas estão investidas, com a saída do euro seria perder demasiado dinheiro retira-lo do país antes da reestabeliazação do novo escudo).

    Uma das grandes discussões que se deveria fazer, igualmente para o euro, é o modelo de sistema monetário. Duvido que o euro se consiga reformar sem que os seus grandes pilares não tenham antes grandes perdas (Bancas nacionais, grandes bancos internacionais e bancos centrais). Mas o novo escudo deve ser de natureza bem diferente do euro. Deve-se fomentar inteiramente na monetarização da economia produtiva e nunca em expansão financeira, introduzindo barreiras à monetarização da especulação. Este será o detalhe que permitirá ao capital entrinchado em investimentos especulativos e protegidos da concorrência internacional ser transferido para àreas de produção de bens e servições transacionáveis. Colocando até uma diferenciação clara entre taxas de juro para sectores produtivos, para o consumo e para negócios de mercados bolsistas, sendo que a última deverá ser em dobro da bonificada para a industria. Este detalhe será perponderante para que não existam nenhuns dos receios apocalipticos de que se fala. Diga-se o euro sofre desses problemas de desfecho apocalipticos muito mais brutais que qualquer saida desordenada do euro…

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