Incontrolável é ter um medo que nem sabemos do que é.

Pânico!

“Lemos na história que o deus Pã [em grego, Pan], quando acompanhou o deus Baco [Dionysos] numa expedição às Índias, encontrou meio de infundir terror a um exército de inimigos com o apoio de somente uma pequena companhia, cujos clamores conseguiu vantajosamente concitar entre os ecos rochosos e cavernosos de um vale verdejante. O troar cavo das cavernas, junto com o aspecto hediondo de tão escuros e desertos lugares, levantou tal horror no inimigo que naquele estado a imaginação deles os levou a ouvir vozes, e sem dúvida a ver formas também, que eram mais do que humanas: e nisso a incerteza do que temiam fez maior o temor que tinham, e mais velozmente o espalhou pelos olhares implícitos do que por qualquer narração explicar se pode. E foi a isto que em tempos vindouros os homens chamaram um pânico.”

Traduzi este excerto de 1699, de uma Carta sobre os Entusiasmos em que o seu autor, o inglês Anthony Ashley Cooper (1671-1713, mais conhecido pelo seu título de Earl of Shaftesbury), descreve momentos de paixão fanática, originados pela incerteza e excitados pela superstição, a que chama de “fúrias da sociedade”. Posso pedir que releiam aquele excerto? Eu espero.

Vamos agora a mais algumas notas: “A esta fúria popular podemos chamar pânico, quando a raiva do povo, como já vimos por vezes, faz as pessoas se excederem; especialmente quando levadas pela religião. Neste estado até os seus semblantes são infecciosos. A fúria voa de face em face: é doença que mal se vê, logo se apanha.”

Não por acaso o texto de Shaftesbury é considerado um dos fundadores do iluminismo, uma defesa da sóbria razão contra a superstição e o preconceito.

Pensei nele, é evidente, ao ler sobre os pânicos de Londres: o pânico dos motins, e o pânico do pânico do motins. Mas pensando também noutros pânicos: os pânicos das bolsas, o pânico do euro, o pânico permanente da política.

O pânico não é o medo. O medo é controlável. O pânico estala, como explicado na útil lenda do deus Pã, quando “a incerteza do que temiam fez maior o temor que tinham”. Incontrolável é ter um medo que nem sabemos do que é.

Aquele exército que fugiu em pânico foi vitimado, no fundo, por uma razão de interpretação: não soube interpretar os barulhos que ouviu, ou os seus generais não lhos souberam explicar. Talvez tenham sido displicentes no início, até ao momento em que tinham perdido credibilidade e foi demasiado tarde.

E é nisso que estamos. A irrelevante crise grega de há um ano espalhou-se por toda a Europa. O que era simples de resolver tornou-se complicado pela falta de vontade em interpretar fidedignamente os acontecimentos. A crise do euro em si é resolúvel; os líderes é que não mostram resolução.

Na frente social, os mesmos líderes decretaram que o multiculturalismo falhou, sem explicarem o que teria acertado. Acho que não sabem. Preferem apenas desviar atenções (até as deles mesmos) de uma sociedade feita de cortes, de desemprego, de desresponsabilização. Tão desresponsabilizados os meliantes, como desresponsabilizados os mercados, como irresponsável o governo.

E agora? Diz Shaftesbury que se os líderes não podem somar pânico ao pânico, de nada serve também proibir-se o pânico. “O magistrado [como chama ao governante], tal como um artista, deve ter mão gentil; com empatia pode entrar nas preocupações do povo tomando as suas dores; e quando as tiver acalmado e saciado pode então, da melhor forma, dedicar-se a curá-las.”

Se querem uma ilustração, pensem em Jens Stoltenberg, primeiro-ministro da Noruega.

One thought to “Pânico!”

  • byClaudioCHS

    Medo…
    Vontade de dar um grito,
    ou calar-se para sempre
    De ficar parado, ou correr
    De não ter existido
    ou deixar de existir (morrer)
    Não há razão quando a mente não funciona
    (redundante, não?)
    Vão extinguindo-se as questões
    mesmo sem respostas
    Perde-se, neste estágio,
    a vontade de saber.
    O futuro é como o presente:
    É coisa nenhuma, é lugar nenhum.
    Morreu a curiosidade
    Morreu o sabor
    Morreu o paladar
    parece que a vida está vencida
    Tenho medo de não ter mais medo.
    Queria encontrar minhas convicções…
    Deus está em um lugar firme, inabalável,
    não pode ser tocado pela nossa falta de confiança
    Até porque, na verdade, confio nele
    O problema é que já não confio em mim mesmo
    Não existe equilíbrio para mentes sem governo
    A química disfarça, retarda a degradação
    mas não cura a mente completamente
    E não existem, em Deus, obrigações:
    já nos deu a vida, o que não é pouco,
    a chuva, o ar, os dias e noites
    Curar está nele, mas, apenas retardaria a morte
    já que seremos vencidos pelo tempo
    (este é o destino dos homens)
    e seremos ceifados num dia que não sabemos
    num instante que mira nossa vida
    e corre rápido ao nosso encontro lentamente
    (ou rasteja lento ao nosso encontro rapidamente?)
    Sei lá…
    Mas não sei se quero estar aqui
    para assistir o meu fim
    Queria estar enclausurado, escondido…
    As amizades que restam vão se extinguindo
    e os que insistem na proximidade
    são os mesmos que insistirão na distância,
    o máximo de distância possível.
    A vida continua o seu ciclo
    É necessário bom senso
    não caia uma árvore velha, podre, sobre as que ainda estão nascendo.
    Os que querem morrer deixem em paz os que vão vivendo
    Os que querem viver deixem em paz os que vão morrendo
    Eu disse bom senso?
    Ora, em estado de pânico não se encontra bom senso
    nem princípios, nem razão, nem discernimento,
    nem força alguma
    Torna-se um alvo fácil
    condenável pelos que estão em são juízo
    E questionam: onde está sua fé?
    e respondo: ela estava aqui agora mesmo…
    ela não se extingui, mas parece que as vezes se esconde de mim…
    o problema é que, quando a mente está sem governo
    (falo de um homem enfermo)
    é como um caminhão que perde o freio
    descendo a serra do mar…
    perde-se o contato com a fé e com tudo o que há…
    e por alguns instantes (angustiantes)
    não encontramos apoio, nem arrimo, nem chão, nem parede, nem mão…
    ah… quem dera, quem dera…
    que a mão de Deus me sustente neste instante…
    em que viver é tão ou mais difícil que conjulgar todos os verbos…
    porque sou, neste momento
    a pessoa menos confiável para cuidar de mim mesmo…
    tenho medo, medo…
    medo de perder o medo
    de sair da vida pela porta de saída…
    medo de perder o medo
    de apertar o botão “Desliga”…

    http://progcomdoisneuronios.blogspot.com

    .

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