(Público – 07 de Março de 2011)
O reformulocionário pretende baralhar e dar de forma mais justa, não tomar conta do jogo mas alterar-lhe as regras, ou seja: mudar a fórmula.
O protesto da “geração à rasca”, que foi convocado por três amigos no Facebook e que terá lugar em Lisboa, Porto, Viseu e várias cidades no próximo dia 12, arrisca-se a ser o momento político mais interessante deste ano ainda curto e — a correr bem — a única verdadeira novidade nacional dos últimos tempos. Não só pela justiça do seu objeto mas sobretudo pela maneira de fazer.
Tentarei descrever o que acho que se está a passar.
Durante o século XX as políticas transformadoras declinavam-se de duas maneiras: ou éramos revolucionários ou reformistas. À esquerda esta dicotomia consumiu décadas de debate, com hegemonia para os revolucionários primeiro e os reformistas depois, até alguém superar o dilema notando (corretamente) que reforma ou revolução eram formas de fazer e não ideais em si mesmos. Mesmo nessa acepção mais modesta, porém, os partidários de ambos os métodos acabaram perdendo o pé.
Os revolucionários primeiro, ao validarem a transição por períodos anti-democráticos — mais ou menos prolongados — até ao destino redentório que não chegava a chegar. E os reformistas também já tiveram mais credibilidade: em primeiro lugar abusaram da palavra até ao ponto em que “reforma” hoje já não vale nada em que se acredite. E quando tem significado que se perceba (cortes de salários?) reforma em boca de político quer agora dizer “um período em que a gente comum vai ter de sofrer mais um bocado”. Em ambos os casos, para os amanhãs poderem cantar os hojes terão de gemer.
No seu melhor não teria de ser assim, mas na verdade reforma e revolução acabaram padecendo do mesmo vírus: o dos fins justificando os meios.
Entram em cena os reformulocionários. Sim, eu sei: trata-se de um neologismo feio e incómodo, mas — que fazer? — nem toda a palavra útil pode ser bonita. Estamos aqui perante muito mais do que um simples híbrido de reformista+revolucionário. A palavra-chave aqui é uma terceira: reformular.
O reformulocionário pretende baralhar e dar de forma mais justa, não tomar conta do jogo mas alterar-lhe as regras, ou seja: mudar a fórmula.
E como fazê-lo? Fazendo.
Mais do que nas táticas, os reformulocionários estão essencialmente interessados nos princípios. Não sabemos para onde vamos, mas queremos dar o primeiro passo de forma certa — e depois o segundo.
A reflexão de base é esta: não é possível querer uma transformação democrática se for feita de forma dirigista; não se pode querer um país inclusivo se o fizermos de cima para baixo; e não se pode desejar a participação de todos se estivermos sempre só ensaiados para aparecer na televisão.
Notem a transparência, até candura, com que os três promotores da “geração à rasca” explicam como decidiram a data do protesto (“tinha de ser depressa e não podia ser na semana do carnaval”) — tem a lufada de ar fresco da política não-profissional. Qualquer partido, da esquerda à direita, reuniria o comité central ou convocaria a central de imagem para inventar um pretexto credível para os jornalistas. Não duvido que vários partidos estejam agora a pensar como cooptar o movimento; mais valeria que aprendessem a ser como ele.
Haverá no sábado gente mais ou menos estatista, mais ou menos politizada, com ideias mais ou menos fixas. Mas todos têm uma coisa em comum: sentem-se desperdiçados pela fórmula de que é viciado o país; e então, sem esperarem por ninguém, aproveitam-se a si mesmos numa nova fórmula.
Estamos a assistir a uma transformação da transformação.
2 thoughts to “Os reformulocionários”
Pela defesa da dignidade desta desgraçada geração, vale a pena lutar, desde que não se pretenda reabilitar utopias historicamente falidas, comprovadas como embuste intelectual da humanidade, que pagou alto preço, em denegação da sua liberdade, do seu conforto material, pela experiência sofrida, ao longo do século XX, prolongando-se ainda em algumas escassas paragens, com coreografias diversas, todas lamentáveis e uma delas, a chinesa, transformada em absurdo político.
As limitações do reformismo
A fatia correspondente aos rendimentos da propriedade têm aumentando exponencialmente. A tão badalada teoria económica “trickle down” sustenta que o investimento estrangeiro e local, conjugado com grandes benefícios fiscais às empresas, causa naturalmente uma redistribuição de riqueza da classe economicamente dominante para as outras classes.
Este tipo de políticas estão a conduzir a uma polarização social cada vez maior e a uma instabilidade e insegurança crescente na chamada classe média – os ricos cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres.
O actual sistema capitalista, em plena fase da globalização neoliberal, está transformar o trabalho em mera mercadoria. Está a desumanizar o trabalho, quer manual quer intelectual.
No entanto, os mecanismos normais e as regras de jogo dos dois mercados descritos inicialmente – mercado de capitais e mercado de trabalho – poderão gerar uma alocação de recursos políticos, que poderá obrigar a gestão corporativa a fazer cedências à vontade colectiva da força de trabalho. Aqui poderia surgir uma oportunidade para o grande desafio – a “desmercantilização” do trabalho, ao enredar a função investimento numa teia de controles sociais indirectos, o que poderia ser a chave para uma progressiva e cumulativa transição para a justiça social e para a segurança no trabalho.
Talvez o que falte fazer é planear a mudança. Para atingir os objectivos de justiça social e segurança no trabalho será necessário projectar estas mudanças e implementá-las. A diferença entre revolução e reforma reside na sua relativa capacidade de mobilização da classe trabalhadora.
De acordo com a tese das limitações do reformismo, um movimento de trabalhadores que se organize em redor dum programa reformista nunca representará um desafio ao capitalismo. No entanto tese oposta sustenta que, a menos que o elemento político dominante dum movimento de trabalhadores reformista seja desviado do seu programa e a sua coesão interna destruída, o desafio será inevitável.
Por outro lado, o modo como um partido consegue manter a “fé” política ( e ir para além do mero assistencialismo) poderá salva-lo da desintegração e da marginalidade ao suster a unidade do movimento. Se o partido se afasta da via reformista (como sucede actualmente na maioria dos casos), o movimento passa a substituí-lo como frente política representante ou como interlocutor privilegiado da classe trabalhadora organizada.
A compatibilidade entre reformismo e capitalismo será então medida pela relação entre as políticas das organizações dos trabalhadores e as instituições vitais do capital.
http://mokkikunta.blogspot.com/2008/02/koistinen-23.html