|Do arquivo Público 10.05.2017| Está para lá de qualquer dúvida: nesta ocidental praia lusitana, os pessimistas levam uma vantagem quilométrica no debate público. O pessimismo não é só o equivalente opinativo ao “com um simples vestido preto eu nunca me comprometo” popularizado pela saudosa Ivone Silva. O pessimismo é uma obrigação, uma missão e uma devoção. A qualquer pergunta, abanar pesarosamente a cabeça e dizer “estou francamente pessimista” dá sempre pontos extra.

Em Portugal só há uma coisa que dá mais caução instantânea do que estar pessimista: é estar pessimista sobre a Europa. Sobre a Europa, aliás, não há apenas que estar pessimista. É preciso estar apocalíptico e aderir aos seguintes artigos de fé: isto é insustentável, logo não há solução. Se houver solução é insustentável também. Pode não ser insustentável, mas não vai funcionar. Não vai funcionar porque não pode funcionar. Se funcionasse, era uma desgraça. Se funcionar e não for uma desgraça, nunca vai ser implementado porque a Alemanha não quer. E, de qualquer forma, é insustentável.

Bem se pode apontar que a crise da zona euro não é a mesma antes e depois de Mario Draghi ter decidido fazer “tudo o que fosse necessário” para salvar a moeda da UE. Bem se pode notar que a Alemanha votou vencida contra essas medidas do BCE, e que até houve quem na Alemanha as levasse a tribunal, sendo derrotado de novo. Poderia até assinalar-se que a zona euro está a crescer há vários trimestres ininterruptos, e agora a crescer mais do que a economia dos EUA. De nada serve. O problema do euro-apocalíptico é que, perante uma pergunta como a que deixei na última crónica, “E a União Europeia? Será esta a sua última oportunidade?”, não é capaz de ler o ponto de interrogação. Só uma resposta negativa o conforta.

Pois bem, a grande dificuldade da questão europeia é que ela não é uma daquelas perguntas para “responder adivinhando”. É uma pergunta para “responder fazendo”. E, nesse tipo de perguntas, não só é importante ler o ponto de interrogação como até pôr em causa os próprios termos da questão.

(Crónica publicada no jornal Público em 10 de maio de 2017)

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