Le Sacre de Louis XV – Photo RMN-Grand Palais (Château de Versailles) / Gérard Blot

Se a França se tomasse simplesmente como um país da União, entre outros, teria muito mais poder. Em muitas ocasiões conseguiria coordenar a posição de todos os que não são a Alemanha. Mas de cada vez que a França pretende mandar na União como “casal franco-alemão”, a realidade foge-lhe da vista mais depressa do que o café se pirava da cafeteira de Luís XV.

No tempo em que a França tinha reis e em que os reis de França tinham amantes, Luís XV foi seduzido pela beleza de uma plebeia de nascença chamada Jeanne Bécu, a quem um casamento forjado dera o título nobiliárquico de madame la Comtesse du Barry, e cuja reputação foi fixada por folhetos clandestinos que se vendiam aos milhares por toda a Europa, e que causavam escândalo pelo tom supostamente informal com que a condessa tratava o rei na intimidade.

A história que ficou na memória coletiva é a de quando o rei ia visitar a amante aos seus aposentos e se divertia com uma coisa tão prosaica quanto preparar o seu próprio café. Foi num desses dias que, ao ver que o rei se distraía e o café extravasava da cafeteira, a Condessa du Barry lhe lançou um alerta que ficou na história: “Hé, la France: ton café fout le camp!”. O problema não estava só a insinuação de que a amante trataria o rei simplesmente como “o França”, mas também a interpretação que logo se adicionou ao episódio de que ela zombaria do rei pela perda das colónias francesas no fim da Guerra dos Sete Anos. E foi assim que dizer “oh França, o teu café pirou-se” se tornou na forma mais fácil de resumir a ideia de que, enquanto os poderosos de França estão distraídos, a realidade à sua volta muda.

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Já não é de hoje que penso que o grande problema da União Europeia está menos no poder excessivo da Alemanha do que na falta de comparência de todos os outros. O Reino Unido não se interessa, a Itália e a Espanha estão a braços com os seus problemas, os países pequenos e médios não encontram uma estratégia comum e, em particular, a França continua a viver no passado. Sendo assim, basta à Alemanha ter uma ideia relativamente clara do que é o seu interesse para poder levar a melhor sobre o resto da União sem grande esforço.

Esta ideia viu-se confirmada com o discurso do presidente François Hollande na introdução da sua conferência de imprensa, ontem no palácio do Eliseu. A única coisa que Hollande teve a dizer sobre a Europa é que é preciso “mais Europa”. E a única coisa que teve a dizer sobre “mais Europa” é que é preciso relançar o “casal franco-alemão”. Para a política industrial europeia, uma iniciativa franco-alemã. Para o desemprego, uma iniciativa franco-alemã. Para a saída da crise, uma iniciativa franco-alemã.

Ora, isto não é só um disparate, mas um disparate perigoso. Já há algum tempo que o “casal franco-alemão” não significa mais Europa, não significa sequer mais França: significa apenas mais Alemanha. Para pagar o preço da sua prosápia e da admissão ao “casal franco-alemão”, a França só tem que fazer uma coisa, que é aceitar as posições alemãs. Isto já é assim pelo menos desde o tempo do famoso passeio de Deauville em que Sarkozy teve de enterrar o projeto dos eurobonds para ter a ilusão de que dominava a crise da zona euro ao leme da União com a chanceler Merkel.

Se a França se tomasse simplesmente como um país da União, entre outros, teria muito mais poder. Em muitas ocasiões conseguiria coordenar a posição de todos os que não são a Alemanha. Mas de cada vez que a França pretende mandar na União como “casal franco-alemão”, a realidade foge-lhe da vista mais depressa do que o café se pirava da cafeteira de Luís XV.

(Crónica publicada no jornal Público em 15 de Janeiro de 2014)

One thought to “Oh França, o teu café pirou-se”

  • XXI

    Brzezinsky dizia no seu livro “the grand Chessboard” que os USA tinham pela frente o desafio de decidir a quem entregar o comando da Europa, se a França se a Alemanha, hoje parece-nos clara que decisão foi tomada.

    Abraço livre.

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