A loucura não existe fora da sociedade nem se trata de uma forma binária, louco ou não-louco. Há uma gradação, há momentos e há tipos de loucura.
No Verão passado, quando o assassino Anders Breivik matou na Noruega mais de setenta pessoas, na sua maioria adolescentes, passei dois dias lendo o seu compêndio de mais de duas mil páginas com elucubrações contra o multiculturalismo, descrições da preparação do seu atentado e uma enxurrada de recriminações aos muçulmanos, aos sociais-democratas e à esquerda em geral.
Desde então a opinião de que esse assassino era um louco acabou por se tornar dominante. Tanto quanto sei, foi até validada num primeiro momento pelo sistema judicial norueguês, o que gerou controvérsia e levar ao pedido de uma segunda avaliação psiquiátrica do assassino.
A sociedade procura uma resposta a essa pergunta — é louco ou não é louco — como se ela fosse o fim do assunto. E, no entanto, ela é só o início. Ser louco não é um buraco negro que engole todas as outras explicações. Pode, no máximo, ser um espelho distorcido; mas a loucura não existe fora da sociedade nem se trata de uma forma binária, louco ou não-louco. Há uma gradação, há momentos e há tipos de loucura.
O facto de Breivik ser louco, se facto é, não significa que ele não seja louco e racista, louco e influenciado por anos de propaganda alarmista sobre os malefícios da presença de muçulmanos na Europa e de discurso agressivo contra a “traição” da esquerda e do multiculturalismo. Não significa que o seu compêndio, como descobri ao lê-lo, não esteja racionalmente construído para infetar outros cérebros com o mesmo vírus. Não significa que ele não esteja consciente, hiperconsciente até, do simbolismo político do seu ato para uma minoria de pessoas que vivem na mesma realidade que ele. E não significa, acima de tudo, que possamos varrer essa realidade para debaixo do tapete da “loucura”, ou seremos então nós uma sociedade com pouca noção do que é um debate saudável sobre o mal.
No Outuno e no Inverno, os alemães descobriram com espanto que um grupo de neonazis tinha assassinado quase uma dezena de imigrantes turcos, ao longo dos anos.
E neste fim de Inverno e início de Primavera, vemos estes assassinatos em França. O ataque contra a escola judaica é, indubitavelmente, um ataque anti-semita; propositadamente um ataque num lugar pertencendo à comunidade judaica, com uma intenção deliberada de assassinar judeus.
Não sabemos se o ataque que dias antes foi perpetrado por alguém que se vestia da mesma forma e usava métodos semelhantes ao do assassino da escola judaica em Toulouse foi também um ataque com elemento racial. Na verdade, foram dois ataques, e em todos eles morreram militares franceses de origem magrebina (e foi ferido um negro).
Caso se confirme que foi a mesma pessoa a realizar ambos os ataques, independentemente da motivação, rapidamente reencontraremos o debate sobre se é louco ou não é louco o assassino. Mas não podemos ficar por aí: há loucos incapazes de partir um ovo cozido e que não conseguiriam matar uma mosca; há gente que passa por saudável tendo ideias violentas, cabeça fria e vontade cruel.
De cada vez que num crime racista vemos apenas um louco e nos despachamos a fechar um debate na sociedade, isso quer dizer que não entendemos nem a loucura, nem o racismo, nem a importância de um debate na sociedade.
3 thoughts to “O que é um louco?”
Efectivamente parece que chegámos à conclusão que Mohammed Merah é um terrorista enquanto Robert Bales teve um esgotamento nervoso, se calhar estava bêbado, coitadinho.
Outros como um seu colega, Mario Borghezio, são considerados normais.
Pergunto-me se de entre os três, sobretudo agora, não será este último o mais perigoso?
Essa é a pergunta crucial, caro Paulo.
Se pessoas como Sarkozy continuarem a afastar “raças imigradas” no seu País, se a Europa e tambem a America – aqui EUA – não assumirem abertamente que não há raças, que não há judeus, nem pretos, nem mulçumanos, nem arabes, iremos de mal a pior!Somos todos Pessoas. Ponto!