A questão nem é de lei. É de cultura: é da naturalidade com que cada um for capaz de olhar o autoritarismo nos olhos e seguir tranquilamente o seu caminho. Por isso, o meu obrigado de cidadão a Ribeiro e Castro e a Isabel Moreira.
Ai a liberdade é uma coisa tão desagradável. Tão difícil de aceitar. É uma coisa até “inexplicável”, para usar as palavras do Presidente da Mesa do Conselho Nacional do CDS-PP ao comentar o voto de Ribeiro e Castro contra a extinção do feriado da Independência, o 1º de Dezembro.
Como diz o senhor Presidente António Pires de Lima, “o partido dispensa clivagens neste momento” (e não as dispensam sempre os partidos em Portugal?) e um ato de independência é “grave, grave para a coesão do partido”, valor pelos vistos superior à Independência com maiúscula simbólica e nacional, porque o que “é importante” é que o partido possa “continuar a crescer, apesar de um erro individual de um deputado, que tinha e tem responsabilidades muito grandes enquanto representante do partido na Assembleia da República”.
Não, não e renão! Não foi um “erro individual” de um deputado: foi uma atitude consciente de Ribeiro e Castro, que explicou considerar que ninguém tinha mandato eleitoral para extinguir o 1º de Dezembro. E não, as responsabilidades muito grandes de Ribeiro e Castro não são enquanto representante do partido, são enquanto representante dos cidadãos de um país. E sim, ele parece ter sido o único no seu partido a pensar que aqueles deputados como ele só ali estão porque o país se auto-determinou pela Independência. Os outros podem vir com a linguagem rasteira de que “é preciso ele tirar ilações”, ou seja, que ele se demita por ter levado a sério o seu mandato. À sua volta podem estar muitos políticos profissionais. Mas ele é um Político. Há uma diferença enorme.
No Partido Socialista também há quem deseje punir Isabel Moreira por ter votado contra a revisão do Código do Trabalho. Pobre PS que não é capaz de entender a independência de uma deputada que o partido convidou por ser independente. Que querem então? Que o independente, depois de ter agraciado as listas eleitorais, passe no dia da tomada de posse por um processo de clonagem e vote sempre como se fosse a ovelha Dolly?
Já nem falo de António José Seguro ter chegado a líder com promessas de “dar” liberdade de voto aos deputados. Isso era dantes: agora é preciso usar Isabel Moreira como exemplo para intimidar possíveis rebeldes em votos futuros.
A conversa sobre liberdade de voto no PS valia tanto quanto a conversa sobre uma grande reflexão sobre as causas da derrota eleitoral no Bloco de Esquerda. Passado quase um ano, alguém a viu?
A política portuguesa não saiu ainda da sua fase feudal, com cada um sendo servo voluntário do baronete ou do tiranete de serviço, e com a arraia-miúda incitando à vingança contra quem pense pela sua cabeça em vez de pensarem antes nos lugares nas próximas listas eleitorais.
Certos parlamentos, certamente menos evoluídos do que o nosso, simplesmente proíbem qualquer interferência ou punição pela liberdade de voto do deputado. Mas a questão nem é de lei. É de cultura: é da naturalidade com que cada um for capaz de olhar o autoritarismo nos olhos e seguir tranquilamente o seu caminho. Por isso, o meu obrigado de cidadão a Ribeiro e Castro e a Isabel Moreira.
Trinta e oito anos de democracia ainda não chegaram para Portugal se convencer de uma coisa: quando as pessoas são propriedade dos partidos, somos nós todos que acabamos escravos.
10 thoughts to “O feudalismo na política portuguesa”
A causavossa, não a causanossa, é cada vez mais sua. Como independente só lhe posso dar os parabéns, porque representa com a sua honestidade intelectual e a sua liberdade de pensamento e reflexão o que há de melhor no nosso Portugal. Enquanto o sistema político não mudar, como bem afirmaram ontem também homens livres como Medina Carreira e Rui Rio, seremos sempre um Portugal de desperdício e adiado.
e pensar que tudo isto devia ser óbvio nos dias que correm. enfim, ainda bem que temos quem o repare e denuncie. parabéns, a análise está precisa e corretíssima
A estratégia de silenciar as dissonâncias tem como consequência a promoção da mediocridade e do conformismo. Mas será apenas consequência ou será esse o objectivo?
Excelente e oportuno texto!
Penso muitas vezes sobre esta problemática da disciplina de voto e da organização dos partidos em geral. Tal como o Rui, dou primazia à liberdade de pensamento antes de qualquer coisa.
Mas pergunto-lhe: Como se traça a fronteira entre a liberdade de acção de um indivíduo que integre um partido e a necessária coordenação e sinergia que um partido deve possuir para ser mais forte?
Quanto à posição de Ribeiro de Castro podendo não concordar com o conteudo, será positivo tê-lo feito, para “acordar” os Partidos, de tão alinhados ao chefe, que andam.
Quanto à deputada do PS, parece unicamente pretender dar nas vistas, estando sempre do contra e andando sempre em bicos de pés para ser notada e falado. Não é “isto” que a politica já tão de rastos, precisa!!!!! Vejam-se, se conseguirem, de fora, e imaginem-se como nós os vemos!!!!!!!!!!!!
Muito obrigado Rui Tavares pela frontalidade e clareza com que defendeu a liberdade de voto dos deputados, ou melhor, pela maneira como defendeu a cultura democrática. Confesso que a mim me preocupa sobremaneira a falta dessa cultura democrática no PS. Que poderemos esperar do maior partido da oposição neste quadro neoliberal que se aprofunda e nos afunda?…
ora feudalismo haveria se houvessem servos da gleba que pagassem pelos pecados dos seus senhores
mas vivemos numa sociedade plural qualquer servo da gleba ou Tino de Rans pode aparecer na Tv no intervalo entre políticos
c’est la vie en rose…
o camarada comissário podia emprestar-me uns trocos
para eu pagar a multa de trânsito que o nosso politburo
sem cheta não pode pagar?
«O maior de todos os bens de qualquer sistema de legislação (…) se reduz a estes dois objetivos principais: a liberdade e a igualdade.»
(J-J Rousseau in «Contrato Social», Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1999, p.62) Este é o livro base fundador da Democracia Contemporânea associada aos Direitos Humanos, republicano e anti-esclavagista, nada de Democracia Grega esclavagista ou do Parlamentarismo Inglês esclavagista. Mas ainda estamos muito muito longe da Igualdade! E a Liberdade é ainda muito condicionada, nomeadamente pela malfadada ‘disciplina de voto’.
A li berdade sei não…eu cá sempre vi muito poucochinha
berdade berdade li que há gente que é muito muito livre
mas geralmente já era livre quando os restantes nem piar podiam
é que há li berdade ao estylo do Manel Cabanas e li berdade do Toino da Choça que nunca viu nenhuma desde que foi apanhado pela Guarda a roubar lenha com a famelga
e há li berdade como a do senhor doutor que trata os guardas por tu
a quem os demais presos prestam vassalagem
e a quem limpam a merda da latrina…
logo igual idade nã significa igual li berdade
a li berdade inconómica geralmente está ligada à física
Como dizia nosso Sou Ares : a liberdade sou eu e o estado também logo eu que pague a mim pelas minhas faltas
por falar em faltas os eurodeputados tamém sairam ao meio-dia?
A Igualdade necessita de exemplos (dos que se dizem iguaIs)
jÁ A li berdade necessita de alfa-betismo e os machos alfa do betismo…