Nesta crise, precisamos mais de historiadores, ou de economistas que saibam história, do que de economistas que desdenhem a história. Estes últimos, em particular, são um verdadeiro sinal de perigo.

Um economista e comentador, Camilo Lourenço, afirmou recentemente que os historiadores são inúteis para a economia. Enquanto historiador, eu poderia fazer aqui a defesa da minha profissão na economia ou a defesa do estudo da história para um ser humano completo. Isso é verdade, mas não chega.

Desejo defender um argumento mais ambicioso.

Na verdade, tenho sido mais bem servido durante esta crise por historiadores, como Harold James, ou por economistas que sabem história, como Paul Krugman, do que por economistas-comentadores como Camilo Lourenço e quejandos. Cito Harold James e Paul Krugman, um de direita e o outro de esquerda, para que se perceba que isto não tem forçosamente a ver com afinidade ideológica. O que interessa na visão histórica é a forma como ela combina elementos de profundidade (temporal) com outros de amplitude (temática), para produzir interpretações que nunca estão dependentes de apenas um fator.

E isso é algo que estes economistas mais estreitos, convencidos de que conseguem abrir as portas do entendimento com apenas uma chave (os custos unitários do trabalho, a dívida pública, a confiança dos mercados, etc.) nunca conseguirão entender. Por isso eles têm sido uma tragédia em toda esta crise, falhando previsões atrás de previsões e propondo remédios que agravam a doença geral, precisamente porque não têm demonstrado a flexibilidade mental necessária para prever a reverberação de uns fatores sobre os outros.

Nesta crise, precisamos mais de historiadores, ou de economistas que saibam história, do que de economistas que desdenhem a história. Estes últimos, em particular, são um verdadeiro sinal de perigo: nada nos deveria alarmar tanto.

Vejamos. Portugal é governado por um economista, Vítor Gaspar, e por um licenciado em economia, Pedro Passos Coelho. Não estaríamos indubitavelmente mais bem servidos por um historiador, mesmo que fosse de direita, como Winston Churchill, ou um economista que conhecesse história, como Franklin Roosevelt (“estudei economia por quatro anos, e tudo o que me ensinaram era mentira”)?

Creio que sim, e a primeira razão é simples: nós vivemos na história, e é importante que os nossos governantes saibam reconhecê-lo. Em segundo lugar, um historiador não dirá nunca que já viu isto que se está a passar, mas saberá reconhecer as devidas diferenças e homologias com outras épocas históricas. E em terceiro lugar, alguém que tenha “sentido histórico” saberá reconhecer a complicada teia de fatores económicos, mas também sociais, culturais e outros, que tecem uma comunidade política.

Por isso, desde o início desta crise, enquanto os economistas estreitos se obcecavam com os seus alvos económicos, e falhavam sempre, os historiadores e outros conhecedores de história identificaram as analogias desta crise com a dos anos 1930 e entenderam que o colapso financeiro traria uma depressão económica com subsequente degradação da política e terríveis consequências sociais.

As eleições italianas desta semana mostraram uma vez mais que esta analogia faz sentido. E enquanto os economistas estreitos continuam a dizer as suas atoardas, a progressão que atrás descrevi avança inexorável. Os piores episódios desta crise, se a história nos ensina algo, estão para vir.

(Crónica publicada no jornal Público em 27 de Fevereiro de 2013)

One thought to “Na história”

  • Francisco Burnay

    Tive a ideia de, no próximo 25 de Abril, oferecermos cravos mas também bolbos de túlipa aos nossos governantes. Mas reconsiderei, não vão eles imaginar que pensem tratar-se de cebolas…

    Quando as pessoas gritam “fascismo nunca mais” eu penso sempre como estão errados os que acham que o perigo está nos calendários: começam um dia, acabam noutro. “Fascismo, ainda…”, é o que deveríamos pensar. Ele anda aí, perigosamente disfarçado de fatalismo financeiro, artilhado da dureza impiedosa de supostos factos, advogado da produtividade e fiel ao oráculo dos mercados, ao leviatã das corporações.

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