Cinquenta anos e uns meses depois, a polícia sul-africana matou mais de trinta mineiros da empresa Lonmin, na localidade de Marikana. Nós vimos, na televisão, na internet. E depois, tal como Clarice Lispector, fomos à nossa vida.
Em 1962 a polícia brasileira matou um homem a quem chamavam Mineirinho, José Rosa de Miranda, com 13 tiros. Tinha vinte e oito anos, uma medalha de São Jorge ao peito e, no dia seguinte, a escritora Clarice Lispector leu sobre o homicídio no jornal. Os treze tiros e a medalha de São Jorge chamaram a sua atenção. Nasceu-lhe uma pergunta: “como não amá-lo, se ele viveu até ao décimo terceiro tiro o que eu dormia?”
Clarice Lispector foi uma das melhores de sempre a escrever, pelo menos na nossa língua. Era também uma pessoa que vivia exteriormente bem: ex-mulher de um diplomata, colunista relativamente bem paga na imprensa, dona de uma casa na zona sul do Rio de Janeiro. Perguntou à sua empregada o que achava da morte do Mineirinho. Ela respondeu: “Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho a certeza de que ele já se salvou e entrou no céu”. Aquilo que a empregada perguntava exteriormente era o que a imprensa carioca vivia escrevendo. O que a empregada interiormente tinha certeza aprendera vivendo uma vida que poderia ter sido como a de Mineirinho.
Clarice Lispector vivia exteriormente bem, e pouco: levantava-se cedo, fumava muito, escrevia as suas crónicas, escrevia romances quando tinha inspiração. Mas vivia interiormente mal, e demasiado: tinha demasiada gente dentro de si, e quase não havia fronteiras entre o que de mau acontecia às pessoas fora de si e a ela dentro.
Sentou-se para escrever uma crónica, que depois foi um conto (também fizeram um filme) mas o que ela ouvia dentro de si eram os treze tiros. “Um tiro a gente compreende”, disse ela depois, “treze tiros é crueldade”.
E começou a escrever como se fosse Mineirinho e fosse ela ao mesmo tempo, parando ao primeiro tiro, e escrevia, ao segundo tiro, e depois ao terceiro tiro (“que me deixa alerta”) forçava-se a continuar, ao quarto, ao quinto e sexto tiros (“que me enchem de vergonha”), ao sétimo e oitavo (“com o coração batendo de horror”), ao nono e décimo (“trémula”), ao décimo primeiro (dizendo “o nome de Deus”), ao décimo segundo (“chamo meu irmão”). Até ao décimo terceiro: que “me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.”
Cinquenta anos e uns meses depois, a polícia sul-africana matou mais de trinta mineiros da empresa Lonmin, na localidade de Marikana. Nós vimos, na televisão, na internet.
E depois, tal como Clarice Lispector, fomos à nossa vida. Temos as nossas vidas. Em alguns casos isso significou escrever num blogue ou no facebook o nosso choque. Mineiros em greve, pedindo salários que não fossem de escravidão, assassinados por uma metralhada de poucos segundos que ouvimos estalar como se fossem pipocas num forno.
Em alguns casos isso juntou-nos na mais simples das políticas: desejar um mundo sem crueldade, sem brutalidade. Mas se os mineiros pediam justiça, e são a crueldade e a brutalidade que mantêm a injustiça em que nós vivemos, a política fica rapidamente menos simples.
Em alguns casos, isso implicou, como Clarice Lispector, querer “ser o outro”. Mas não somos, como ela bem sabia; corremos até mais o risco de, constituindo o estado, sermos nós todos quem não queremos ser: os polícias que os assassinaram.
E nós não queremos ser uma coisa nem a outra.
Clarice Lispector: “Tudo isso, sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar não entender. Porque quem entende desorganiza.”
(Crónica publicada no jornal Público em 22 de Agosto de 2012)
7 thoughts to “Mineirinhos”
Foram atirados para uma cova (ou exploração mineira com pouca viabilidade económica) e enterrados alguns provavelmente ainda vivos, se bem me lembro nenhuma imprensa falou do caso.
Tal como não falaram nas RTP’s ou xxx da destruição por petroleiro-bomba (grego) da única refinaria viável de um país africano nos idos de 2005
(um tripulante grego morto para umas dúzias de ga….eses)
Tal como se fazem reportagens sobre quaresmas mas ninguém desmonta se é de facto casado com a filha do Ikeão
vivemos um jornalismo global bacoco há décadas
imitado pelos b-log’s e jornaes multifunções de papel higiénico sofrível
os livros geralmente são peores, excepto a bíblia e o livro do mormon mas sujam muito as mãos
Em 1953 quando Mossadegh foi derrubado e centenas (alguns dizem milhares mas são uns exagerados)de baktiari foram eliminados por o apoiarem alguém piou?
A histéria tem destas coisas e os grandes massacres geralmente não são televisionados
de resto das 25 guerras civis em progresso…ouvem-se só as mais interessantes em tiros de rajada rápida
de massacres libertadores está o século XXI cheio
e só começou há 11 anos e picos..
Se preocupe não que vae ter muito mais
Infelizmente sem imagens pra fazer moral televisiva
Os polícias como qualquer corporação, vingaram os seus dois mortos.
Tal como os mineiros os mataram para vingar os seus.
é simplex é uma histéria de índios e caubóis com cow ou sem
se bem me lembro as baratas Tutsi não eram bem baratas
porqué que até os tutsis gritavam morte às baratas tutsi
con tinua a ser um mistério
Até porque uma boa parte das baratas mortas nem eram tutsis…
calhou terem umas terrinhas ou vaquinhas de seu
às vezes tinham um pneu em bom estado ou um par de sapatos
tal como no quénia se mataram por uns pastos semi-secos e umas vaccas mortas e semi-mortas
morreram umas duas centenas, mas as notícias de rodapé só dão 48 defuntos ou meia centena
Pinderiquices, morrem muitos mais por caça ilegal numa semana
ou de excesso de água na barriga por dia…
este inverno vae matar uns 300 ou 500 mil e ninguém vae reparar
nem os mortos vão saber que morreram pois não têm televisão
e morreram palmilhando as estradas a fugir do seu próprio medo
e morrem pelos caminhos
como os mauritanos e os ossários na seca do sahel em 1984-88
mas a etiópia tinha mais mortos para mostrar naa Têvê..
Não morre na Têvê quem quer…
Sejamos claros: será que cada um de nós não se fez já passar por sonso, baluarte de alguma coisa, algo que procurar não fazer entender? Claro que sim. E na política quem entende também desorganiza. Pelo menos o discurso.
Mas é um risco amigo, um risco que podemos ou não correr …
Todos os reafundadores cheios de Idei-as y Ide-ais
Fossem jovens coronéis Kadafianos que derrubavam os corruptos
Ou Sargentolas que eliminam a corrupção imitando um capitão que se fez ditador hereditário
Seguem o mesmo caminho de barbudos revolucionários
Falem eles espanhol ou escrevam muito melhor em russo que em francês
A revolução de 89 ou a de 48 ou dúzias de levantamentos de campesinos e de hussitas em carroças
Quiseram mudar o mundo
Mas o mundo tem uma inércia própria
A grande e silenciosa maioria prefere continuar miserável mas viva
A cheia de dignidade na greve de fome
E prefere ficar junto da filharada que pariu
Do que abandoná-la ou deixá-la fuzilar fora dos muros inexpugnáveis da honra da dignidade ou de Toledo
Alguns até se sacrificam para os putos continuarem a viver
Também há quem os regue com gasolina ou os decapite para que eles não sofram
e há quem siga as Cruzes orfãs de apoiantes
e diga que carlos o chacal gostava mesmo era de gaijas e não de bulhas com contra revolucionários
se o chacal é arménio dizem que se pela por afundações em pitroil ou por arquipélagos de gulag a bem da nação noção
Dizem também que molotov gostava delas ainda pequeninas porque não tinha o molotov muito grande
Explicações para o aparecimento de messias há muitas
Para o desaparecimento dos dittos cujos é mais simplex
Ser Messias ou Ser Oráculo dos Deuses é péssimo para a saúde…
Ser Bruxo em África também pode queimar muito a pele…
Uns são as forças da luz e da verdade e os outros são os trolhos das forças do obscurantismo exterminador.
Já há anos que essa terna luta tende a eternizar-se
Terror que extermina os pecadores infiéis versus pecadores que limpam o sebo ao terror.
Obviamente é mais eficiente criar uma indústria de armamento para que estes diferendos sejam mais facilmente resolvidos, criam-se postos de trabalho e as agências noticiosas têm menor necessidade de matanças esporádicas, quer de polícias trucidados por mocas e zagaias da alvorada zulu, ou zulus trucidados pela tecnologia militar do império do mal e do bem, ou do bem e do mal que é mais normal.
EVANGELHO DE SÃO MAROCAS EM NOTAS DE CEM MARCOS Ou
RTP vulgo Rais ta parta em esparta? rais ta partócus ou meto cruz no golgota pra ser reprocessado primeiro
e é os deuses da arena televisiva ou é muito Fokesse?
…e ou aceitais a palavra e as letras do senhor ou sereis reprocessado em, whiskas ou biscoitos para cão
a shaggy dog day for you meister boss que’ouves das Brux’elles