Já existe em Portugal uma barreira demasiado grande à entrada dos cidadãos na causa pública. Ela foi erguida pela opacidade dos aparelhos dos partidos, mas também por preconceitos larvares

Aqui há uns anos dei-me pela primeira vez conta da existência de um professor universitário que comentava nas televisões a Guerra do Iraque. O seu nome era Azeredo Lopes. Eu habituei-me a ouvi-lo com atenção porque as suas opiniões me pareciam interessantes e ponderadas. Admito que outros espectadores fizessem o mesmo.

Mais tarde, o mesmo professor Azeredo Lopes foi nomeado presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Poderia dizer-se que o foi por causa da sua notoriedade como comentador televisivo? Talvez, na medida em que se ele fosse um completo desconhecido ninguém se lembraria dele. Mas por outro lado, a notoriedade dele não nasceu do nada: veio das opiniões que ele emitia, da forma bem articulada como o fazia e dos anos de estudo em que elas se alicerçavam.

A notoriedade pura não significa nada. Uma figura do jet-set é notória e isso, por si só, não faz dela uma boa escolha para a ERC. E a notoriedade também pode ser negativa. Faria sentido convidar alguém conhecido pelas suas opiniões ridículas ou absurdas, por muito notórias que elas fossem?

***

O mesmo Azeredo Lopes comentou recentemente esta minha coluna dizendo que “não se pode ignorar, por exemplo, o peso decisivo que teve a coluna do Rui Tavares nas eleições europeias” e dizendo de mim ser “obviamente evidente que foi convidado pelo BE para o quarto lugar da lista [o terceiro] pela sua notoriedade”.

Responderei. Mas não fazendo de mim o assunto desta crónica (nem sendo juiz em causa própria: deixo, como sempre, as decisões práticas para as direcções dos títulos onde colaboro). Quero apenas lembrar alguns argumentos gerais que estão arredados das reflexões do presidente da ERC.

Sugeri uma vez que preferiria que o país fosse mais obcecado com a liberdade do que com a neutralidade. Da mesma forma, gostaria que o país fosse um pouco mais obcecado com a qualidade e menos com a notoriedade. Minha gente: uma opinião não tem peso, nas eleições europeias ou noutras, pela pura notoriedade que lhe dão. Tem-no por ser uma boa ou má opinião, persuasiva ou bem pensada, que interessa ou não às pessoas. Se essa dimensão qualitativa for esquecida, nenhuma análise da realidade editorial é possível.

Adicionalmente, essa opinião não vale por si só; nós só saberemos se lhe devemos dar peso quando a compararmos com outras. Por isso o pluralismo deve ser a nossa preocupação política central. Ora, o pluralismo só se obtém acrescentando, nunca subtraindo. Subtrair opiniões, por razões do peso relativo que vão ganhando, seria tão absurdo como pedir a todos os cronistas para escreverem igualmente mal por razões de equidade.

Há um papel importante da ERC na defesa do pluralismo que está a ser traído pela pouca sofisticação (digo-o sem nenhum gosto) das opiniões de Azeredo Lopes. E assim a directiva da ERC que retira os candidatos dos espaços de opinião (e que já não me atinge, pelo que estou à vontade para a comentar) pode ser nociva não só para a imprensa, mas para a própria democracia.

Já existe em Portugal uma barreira demasiado grande à entrada dos cidadãos na causa pública. Ela foi erguida pela opacidade dos aparelhos dos partidos, mas também por preconceitos larvares — como achar que participar numa campanha eleitoral é indigno ou que ser candidato é uma vergonha.

Quando se aproximam eleições nacionais e locais, para as quais precisamos da participação de milhares de cidadãos, o activismo mal dirigido de Azeredo Lopes cria mais um grau de separação entre cidadãos e política. E arrisca-se, em simultâneo, a diminuir o pluralismo na imprensa e a preservar as candidaturas políticas para os aparelhistas de partido e os medíocres de carreira.

12 thoughts to “Mau para a imprensa, mau para a democracia

  • Augusto Küttner de Magalhães

    E a notoriedade também pode ser negativa! Evidente!

    Li a noticia referente a escrever no Público e ser candidato ao BE e por isso ter sido eleito. Penso que nada tem a ver! Não fiz a ponte com quem a escreveu….
    Claro que se tornou mais notado, mas bom era se sem qualquer outro sentido, o Público fosse tão influente!! tinhamos mais Público, para mais públco!!!

  • H. Carmona da Mota

    Como não encontrei o seu e.mail, respondo aqui à sua pergunta de hoje (Público 5.8.2009)
    Alguém pode citar grandes realizações das nossas elites nacionais que facilmente aguentassem a comparação com aquilo que de melhor se faz no mundo? É difícil.

    É, mas fez-se. Aqui vai:
    http://alcatruz.blogspot.com/2009/03/30a-do-sns-sistema-de-saude-portugues-3.html

  • francisco cabral

    respondo atrasado ,por nabice nestas andanças;tinha respondido para um mail (inexistente!)
    completamente de acordo (mais um vez) com a crónica de ontem,vai sendo tempo de gritar “de pé oh sociedade civil!”

  • H. Carmona da Mota

    Como não encontrei o seu e.mail, respondo aqui à sua pergunta de hoje (Público 5.8.2009)
    Alguém pode citar grandes realizações das nossas elites nacionais que facilmente aguentassem a comparação com aquilo que de melhor se faz no mundo? É difícil.

    É, mas fez-se. Aqui vai:
    http://alcatruz.blogspot.com/2009/03/30a-do-sns-sistema-de-saude-portugues-3.html

    http://alcatruz.blogspot.com/2009/06/descoberta-do-caminho-para-o-sucesso-e.html

  • António d'Almeida

    « Já existe em Portugal uma barreira demasiado grande à entrada dos cidadãos na causa pública. Ela foi erguida pela opacidade dos aparelhos dos partidos, mas também por preconceitos larvares – como achar que participar numa campanha eleitoral é indigno ou que ser candidato é uma vergonha.» Retirei esta sua frase do contexto, porque vale por si.
    Porque não refere também a responsabilidade individual dos cidadãos? Porque não se denuncia aquilo a que alguns sociólogos chamaram “sonambolismo social”? É certo que a responsabilidade das instituições, elites e cidadãos, tem pesos diferentes … seria outra discussão … ! Mas … branqueamos constantemente a responsabilidade dos cidadãos? Que fazem os cidadãos (pessoas anónimas) para contrariar este estado de coisas?
    Afinal, ao menos colectivamente, aquilo que temos e aquilo que somos, é culpa de todos !!! solicito a não divulgação do meu mail

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Penso que já vamos tendo alguns cidadãos, que sendo independentes – o que quer que seja a independência!!tão relativo, tão condicionado – vão passando pensamentos não totalmente compromtidos! Isso pode ir sendo um contributo, ou no mínimo, uma tentativa para o ser diferente, ou para se tentar ver a cidadania de outra forma….talvez caiba a muitos mais fundamentada e educadamente passarem as suas ideias, os seus pensamentos, sem terem a obsessão de ter que atingir “lugares”, antes fazer-se ouvir…só e unicamente!

  • BMonteiro

    «se ele fosse um completo desconhecido ninguém se lembraria dele…A notoriedade pura não significa nada»
    Bem apanhado.
    Há dias e quando uma jornalista viu um resumo meu da reformista legislatura do governo do PS (na segurança e defesa), assinado apenas pelo nome, telefonou-me com um dúvida: quem é o senhor?
    Já um jornalista me dizia que perante o estado do tema, isto não tinha mesmo ponta por onde pegar. Nada a fazer, como costumo dizer.
    Acabou por sair hoje no DN, com assinatura um pouco reforçada.
    Que isto da democracia portuguesa, não dispensa de todo um pouco da monárquica titularidade.
    Este cavalheiro Azeredo Lopes, professor portanto, está a sair-me um bom pândego.
    Com a sua conclusão sobre o Rui Tavares, acaba de descobrir um novo caminho marítimo. Para Bruxelas.
    Parabéns RT, por este contributo para a notável acção de SExa Mr ERC.
    (Aqui trazido pelo Arrastão)
    BM

  • Piscoiso

    Lá está, não conheço o Azeredo porque não o vi na televisão.
    Mas conhecerei o Rui Tavares por tê-lo visto e ouvido na TV?
    Na verdade, leio sempre com gosto o que RT escreve no Público.
    Na TV, bocejo.

  • Megashira

    Azaredo Lopes tem razão: a pluralismo nos meios de comunicação é uma questão importantíssima, especialmente em Portugal, já que estão praticamente todos inclinados para o mesmo lado.

    Diz o Rui que o problema se resolve acrescentando. Já estou a ver o fartote de riso que Azaredo Lopes vai despertar, quando sugerir ao Público que terá que contratar um colunista afecto ao MRPP, outro ao POUS, ao MMD, ao MMS ao PFGH,etc,etc.

  • libertas

    Azeredo Lopes tem tacho do PS por um ÚNICO motivo: apoiou vivamento Mário Soares na presidencias, quando não havia vivalma fora dos empregados do PS que apoiasse. O PS agradeceu, pagando a Azeredo com os nossos impostos. IMORAL. CORRUPÇÃO.

  • Saloio

    Caro RT,

    Tem o senhor aqui, toda a razão.

    Mas não se esqueça que está perante uma sociedade mediátizada e onde campeia o “amiguismo”.

    Digo eu…

  • João Amorim

    caro Rui Tavares

    O Professor Azeredo Lopes foi certamente convidado para a ERC, por ser um brilhante professor de Direito. Os pareceres que a ERC emite não olham a partidos nem a capelas; neste país qualquer parecer é anti-democracia.
    Não são os partidos que são opacos.

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