Mas atenção: uma crise pode esconder outra. Na base, a crise das crises na União Europeia é uma crise de estado de direito e direitos fundamentais. E essa é não apenas existencial, mas civilizacional.

Os governos da União Europeia têm especial talento para pegar em problemas resolúveis e torná-los existenciais.

A atual crise dos refugiados não precisava de ter chegado a este ponto. Como tenho repetido nesta coluna, há anos que existem instrumentos legais e financeiros para reinstalar refugiados diretamente, sem forçar as pessoas a arriscar a vida, dando prioridade aos mais vulneráveis e introduzindo critérios de justiça e previsibilidade  que permitem diminuir ou moderar a ocorrência de situações de emergência. Os governos nacionais não os quiseram utilizar e com isso favoreceram a criação de bolsões de desespero onde imperam a desorganização e o cada-um-por-si.

Mas atenção: uma crise pode esconder outra. Na base, a crise das crises na União Europeia é uma crise de estado de direito e direitos fundamentais. E essa é não apenas existencial, mas civilizacional.

O seu epicentro é a Hungria

— um país de história admirável hoje governado por um homem, Viktor Orbán, que tem teorizado sobre a criação de um regime de “democracia iliberal”, no qual manda um governo de eleição maioritária que desconsidera os direitos individuais, muda a constituição a seu bel-prazer e controla o parlamento e o poder judiciário.

O que se passa agora já não é só teoria — e extravasa os limites da política húngara. Quando Orbán faz aprovar uma lei criminalizando os refugiados, como aconteceu ontem, é a lei internacional humanitária — neste caso, a Convenção de Genebra sobre refugiados, de 1951 — que está a ser violada. Um refugiado tem de ter ao menos oportunidade de pedir asilo e ver o seu pedido examinado. Que os primeiros beneficiários deste enquadramento internacional tenham sido os refugiados húngaros em 1956 junta apenas um travo de ironia amarga a esta tragédia.

Mas há mais. Quando Orbán manda equipas de presidiários terminar a sua muralha na fronteira com a Sérvia, regressando a uma prática de trabalhos forçados, é o próprio respeito pela dignidade humana, base dos direitos humanos na tradição europeia (e da própria Constituição húngara, se Orbán não tivesse já dominado o Tribunal Constitucional) que está em causa. Quando se recusa a receber muçulmanos, é a Convenção Europeia de Direitos Humanos que está a ser violada. E a coisa não vai parar. Os estrangeiros são só um pretexto. O seu objetivo é a construção de um estado anti-pluralista para os próprios cidadãos húngaros. Ou, como uma vez explicou com uma frase contorcida, “a nação não pode estar em oposição”.

Os alertas foram já lançados há muito tempo e os instrumentos de ação existem. A Comissão Europeia pode agir já — pelo menos cessando todas as comunicações com o governo húngaro que não sejam uma obrigação legal ou não tenham os direitos humanos por prioridade — mas só o fará quando houver pressão dos cidadãos nesse sentido.

Escreveu o poeta irlandês Seamus Heaney que “a história nos diz para não ter esperança”. Mas logo acrescentou que

«Uma vez na vida,
A maré alta da justiça se alevanta
E põe a esperança e a história na mesma rima»

A “maré alta da justiça” só nós a podemos levantar.

7 thoughts to “Maré alta

  • Pavlov and his dog

    Que falta de democracia e esta que o sr apregoa? Porque nao poderam as criancinhas voter no ferro para a AR?

  • MANUEL GOMES ALEXANDRE

    A falaciosamente, designada por União Europeia,é um processo de colonização, rotulado de democracia, subvertendo este conceito, bem como os conceitos que o integram, designadamente de Economia e de Politica, como ciências sociais fundamentais que são, em que a Economia de qualquer comunidade nacional é representativa de todos os direitos e de todas as obrigações individuais e sociais de todas as pessoas dessa comunidade, na medida das necessidades e capacidades específicas de cada uma.É,precisamente, para garantir, plenamente, esses direitos e essas obrigações que se impõe a exigência do poder politico, democraticamente eleito pelo voto pessoal,livre e directo de cada eleitor,socialmente globalizante, e não por corporações de interesses específicos, numa relação, antidemocrática e socialmente discriminatória. Neste quadro, compete ao poder politico motivar e apoiar, tanto quanto possível, o espírito empreendedor,criativo e criador da iniciativa privada possível. Mas, compete – lhe, também, como responsável fundamental pelas finalidades da Economia, ser o agente politico, económico, financeiro e social necessário complementar das limitações da iniciativa privada possível, intervindo em quaisquer ramos de actividade, para esse efeito, ou seja, para assegurar uma constante situação de pleno emprego e o máximo aproveitamento de todos os recursos naturais existente.É preciso acabar com o falso slogan de que o poder politico é um mau gestor, porque a sua finalidade é,não somente, a de gestor, mas a de gestor de referência, ao qual compete a exclusividade da actividade bancária, para que em cada momento, possa aferir o valor da massa monetária em circulação, com o valor real da economia a que corresponde, mas também prevenir as mais – valas financeiras especulativas, a que não corresponde qualquer valor de riqueza criada, sendo moeda falsa, mas dotada de poder de compra legalizado, atingindo, a nível da economia mundial, o valor duplo do valor real dessa economia mundial, subvertendo os conceitos integrados de Democracia, Economia e Política.

  • SergiooY

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  • MANUEL GOMES ALEXANDRE

    O absurdo ainda é a característica dominante da actual Humanidade selvática, porque o absurdo consiste na afirmação de uma mentira como se esta fosse uma verdade.A designada por DEMOCRACIA LIBERAL CAPITALISTA MUNDIAL é,duplamente,um absurdo.O conceito de democracia assenta em relações humanas de cooperação solidária,sendo socialmente globalizante, num constante apelo à consolidação da coesão social.Pelo contrário, o liberalismo assenta em relações humanas socialmente discriminatórias de competição entre fortes e fracos e capacitados e incapacitados, nu constante apelo à segregação social,à semelhança das relações entre os animais irracionais na Selva.Civilizar a espécie humana é o problema central que é urgente solucionar,É,humanamente trágico, por ser selvático, que 15% da espécie humana controle 85% de toda a riqueza do nosso planeta e que 60% dessa espécie humana, seja extremamente pobre e morra de fome, seja muito pobre, pobre e relativamente pobre; e somente 25% possua, em termos relativos, uma existência digna.Poderemos classificar estes escalões, em «dinossauros», pessoas relativamente
    confortáveis, pobres e famintos.UMA VERGONHA HUMANA E UM CRIME SOCIAL, QUE É PRIORITÁRIO COMBATER.

  • silva

    O Casino Estoril que provocou o maior despedimento colectivo e o maior fado deste drama é juizes serem pagos por offshores e com isto destruírem centenas de famílias tudo para o Sr. egoísta ter razão. substituir trabalhadores por capricho de um administrador que faz negocio com o próprio Casino é de suspeitar a ordem do despedimento colectivo.

    • MANUEL GOMES ALEXANDRE

      Uma união de países adjacentes caracterizados por níveis de desenvolvimento assimetricamente diferenciados, que adoptam uma mesma moeda comum e única, correspondente ao nível de desenvolvimento da economia mais desenvolvida, designadamente a Alemanha, constitui um gravíssimo absurdo, que origina um progressivo processo de empobrecimento e de endividamento externo dos países menos desenvolvidos, como tem acontecido, bemmcomo a perda do seu poder de soberania, sob uma, cada vez mais poderosa tutela da Alemanha. É urgente inverter esta situação, passando todos os países a possuir moeda própria,ajustada aos seus níveis de desenvolvimento e gestão interna e todas as suas exportações, bem como uma moeda comum , mas não única, cedida solidariamente pelas economias mais desenvolvidas às menos desenvolvidas, para as suas importações, orientadas para a modernização das suas infraestruturas, industrialisação, tecnologia e Ciência, como factor complementar dos seus níveis de desenvolvimento até ser atingido o nível de igualdade da economia mais desenvolvida, somente, então justificável, mas não imprescindivel, existência de uma moeda única.A emissão de moeda própria constitui o direito fundamental do poder de soberania, como unidade de medida e de ajustamento da economia à massa monetéria em circulação. E urgente pôr fim ao criminoso absurdo da moeda única, que agravou o nosso nível impagável de endividamento, o qual ,legitimamente. deve ser perdoado, exactamente, por ser impagável.É preciso que alguem suficientemente esclarecido levante, energicamente, este crime politico e social, no PARLAMENTO EUROPEU.

  • Silva

    Um despedimento colectivo no fado que o maior Casino da Europa realizou, com a participação dos traficantes de influencias OFFSHORES para calar a justiça, e o próprio administrador depois deste despedimento vende ele próprio os negócios ao Casino Estoril.

    A LAVA JATO comparado com a trama deste CASINO ESTORIL que está envolvido também na operação FURACÃO é Novela de corrupção para crianças.

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