Os eleitores são mais espertos do que aqueles polvos alemães que adivinham resultados.

Gol de Zico no jogo Brasil x Nova Zelândia na Copa do Mundo de 1982.

O primeiro jogo de futebol de que lembro lembrar-me, — o primeiro memorável — foi um jogo do campeonato do mundo, e logo uma final. Argentina-Holanda, em 1978, tinha eu seis anos. Na aldeia só havia duas tabernas, a da prima Ofélia e a da prima Artelina (e apenas uma mercearia, da prima Ilda, onde também era a caixa do correio e a cabine do telefone). O meu pai estava a ver o jogo na taberna da prima Artelina, e foi ali que eu decidi que apoiava a Argentina. Gostei do nome. E a Argentina ganhou, por 3-1, e eu festejei.

O problema é que a Argentina era “fascista”, e a minha aldeia no Ribatejo uma das mais comunistas do país. A Argentina era uma ditadura, e tinha presos políticos, e portanto “nós” estávamos contra a Argentina. Essa informação tinha-me escapado, e eu próprio tive de me escapar à fúria dos outros miúdos.

Mas continuei a gostar da Argentina, ao mesmo tempo que da APU (Aliança Povo Unido, coligação do PCP com o MDP/CDE, que tinha a simpatia dos meus pais).

O Mundial de 1982 (nos meus dez anos) foi o primeiro que me lembro de seguir, e de saber nomes de jogadores: o Brasil de Sócrates e Zico, a Polónia de Lato e Boniek. Lembro-me do jogo que foi interrompido pelo emir do Kuwait, lembro-me de um Espanha-Irlanda por nenhuma razão em particular. E o Mundial de 1986 (quatorze anos) foi o primeiro que me lembro de gostar: o golo de Negrete, do México, contra a Bulgária; os dois golos de Maradona contra a Inglaterra, e fantástica final da Argentina contra a Alemanha. Nessa altura comecei a ser um pequeno fanático de futebol. Colecionava cromos, simulava jogos com caricas, pirava-me aos intervalos para jogar na praceta com os colegas, a minha irmã fez-me sócio do Benfica, e eu ia ao terceiro anel do velho Estádio da Luz com o meu primo. Bons tempos.

Depois chegam anos pouco memoráveis: Itália ’90, EUA ’94. Ou eu perdi o gosto ou as duas equipas de que gostava (contraditoriamente, Brasil e Argentina) não me entusiasmavam. E o gosto por futebol de seleções só regressou em 1998, com o Brasil de Ronaldo “Fenômeno” e, contrariado, com a França de Zidane.

Em 2002, aconteceu uma coisa curiosa: eu vivia em França, mas num meio luso-brasileiro. À véspera da copa, todos torcíamos para que os nossos amigos brasileiros se pudessem vingar dos 3-0 que tinham levado da França na final anterior, e dos quatro anos de zombaria por parte dos franceses (“trois-zéro! trois-zéro!”).

Todos? Não. É que, reparem, 2002 era ano de eleições presidenciais no Brasil. Pela primeira vez, parecia que Lula podia finalmente chegar ao Palácio do Planalto. E para o intelectual de esquerda e militante do Partido dos Trabalhadores, um cálculo parecia infalível: se o Brasil ganha a copa, o Lula perde as eleições. Um dilema. Mas à medida que a França foi sendo humilhada e o Brasil crescendo, os cálculos deram lugar à emoção. O Brasil ganhou a copa, e Lula foi presidente. Agora ouço dizer o mesmo, mas ao contrário, a intelectuais de esquerda (e de direita): se o Brasil perde a copa em casa, Dilma perde as eleições.

Balelas, digo eu! Para mim, duas certezas apenas. Este Mundial começou esplendidamente, e os eleitores são mais espertos do que aqueles polvos alemães que adivinham resultados.

(Crónica publicada no jornal Público em 16 de Junho de 2014)

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