O remendo — perdão, a “solução abrangente” — que inventaram desta vez não durou sequer uma semana.

Há uma semana, tive o cuidado de voltar à minha mesa para recolher um maço de folhas esquecido que tinha a menção, em letras garrafais, de “ESTRITAMENTE CONFIDENCIAL”.

Não precisava de me ter preocupado. Na mesa ao lado, uma colega tinha deixado para trás o mesmo documento. Duas mesas abaixo, lá estava outro exemplar. Olhando em volta, o mesmo documento secreto pipocava aqui e ali. À entrada de uma reunião, assistentes tinham distribuído dezenas deles. E isto aconteceu apenas depois do documento ter aparecido em milhares de blogues e em tudo o que era jornal do mundo.

Esse documento era a avaliação do plano de resgate da Grécia feito pela própria troica. Aparentemente, precisava de ser estritamente confidencial por dizer aquilo que toda a gente já sabia: não está a funcionar. Não que a troica o admita. Mas os dados são claros: o plano de austeridade para a Grécia não funciona porque a austeridade não deixa Grécia cumprir o plano.

O erro não está na Grécia. O erro está no plano. O documento ultra-hiper-mega-secreto que andava espalhado por todo o lado possui até uma utilidade extra. A continuar tudo da mesma forma, é o relatório “estritamente confidencial” que há de ser escrito sobre Portugal daqui a um ano.

No mesmo dia, os líderes europeus (ou talvez tenha sido apenas, como agora se diz, o Merkozy) decidiram engendrar um zigurate tóxico para acabar com a crise.

A lembrar, um zigurate era aquela espécie de feia pirâmide que se fazia na antiga Mesopotâmia. Tinha uma primeira base ampla e sólida mas depois ia subindo em socalcos cada vez mais altos e estreitos. À parte dar aos imperadores a satisfação de estarem “a fazer qualquer coisa”, a utilidade da construção é negligenciável.

Isto mesmo se aplica à invenção de Merkozy, uma alavancagem do Fundo Especial de Estabilização Financeira que será feita (um dia) com dinheiro chinês. Mas este não é um zigurate qualquer. Será o maior produto tóxico do mundo, uma espécie de apogeu do subprime.

O senhor Van Rompuy respondeu à imprensa perguntando: “se os bancos sempre fizeram isto, por que não nós?” — ao que acrescentou o senhor Sarkozy: “se os chineses quiserem investir no euro, qual é o mal?”

(Calharia aqui a propósito uma história. Umas décadas antes de os portugueses chegarem a Índia, os chineses tinham barcos várias vezes maiores com os quais chegaram a Moçambique. Mais uns anos e a história do mundo teria sido muito diferente, com o comandante Cheng He a entrar na barra do Tejo e desembarcar em Lisboa. Isso não aconteceu porque um imperador morreu e o imperador seguinte decidiu parar com as navegações marítimas. E a ordem foi cumprida de um momento para o outro porque, caro senhor Sarkozy, na China antiquíssima e séria as coisas fazem-se — mas também se interrompem — assim.)

Continua a ser impressionante como esta gente faz tudo para evitar que um problema europeu tenha uma solução europeia. O remendo — perdão, a “solução abrangente” — que inventaram desta vez não durou sequer uma semana. De novo vão culpar os gregos e o anúncio de referendo naquele país. Mas já antes disso os juros italianos tinham subido para máximos incomportáveis. O problema não está na Grécia, nem sequer na Itália: o problema está no plano.

Porquê? Posso dizer-vos, mas é estritamente confidencial: esta gente não sabe o que anda a fazer.

7 thoughts to “Estritamente confidencial

  • Biltong

    Troica Troika Troiqua isto troica mesmo é o que dá a uniformidade francófona nas denominações de origem

    trio menage à trois triunvirato todo poderoso

    trotil agora troica

    a grécia fez uma jogada à Argentina ou à zimbabué

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Por certo no Parlamento Europeu, gasta-se tempo a mais a pouco fazer, para além do papel que pelos vistos não tem um minimo de utilidade.

    Será a altura de tudo mudar, tambem!!!!!!!!!!!!!!!!!! no Parlamento Europeu, mostrando todos e cada um :
    – mais trabalho, menos ostentaçao.

    E haver a necessidade de poupar, poupar, em papel, em tudo o que fica em cima das secretárias, para ser não lido, por se saber o que lá de tão confidencial…não tem….

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Será necessario cada vez que os Chefes de Governo se reunem para fazer que tratam de todos os problemas da Europa e arredores, que mais não é que ouvir as instruções da Senhora da Alemanha, será necessario tirar fotografias do Grupo? para quê????’

    Poupar, poupar e deixar de espectaculo????

  • Buiça

    “Mas os dados são claros: o plano de austeridade para a Grécia não funciona porque a austeridade não deixa Grécia cumprir o plano.”

    Pode-se saber que dados são esses? É que visto de fora dá ideia que os Gregos ainda não implementaram 1/3 sequer das medidas com que se comprometeram há mais de 1 ano. E que passado todo este tempo o original primeiro-ministro acaba uma maratona negocial em que 17 ou 27 países lhe perdoam metade das dividas, alargam o prazo do ajustamento até 2020 e lhe dão mais dinheiro em troca de implementar as mesmíssimas medidas (cobrarem impostos por exemplo…), sai de Bruxelas e sem dizer nada a ninguém, incluindo o próprio governo e deputados, e anuncia um referendo, que umas vezes é sobre o pacote de ajudas outras sobre a permanência no Euro.

    E que dizer disto?
    “Professor Herakles Polemarchakis — former head of the prime minister’s economic department — found that the farming town of Larisa in Greece had more Porsche Cayenne SUVs per capita than any other city in the world.”
    http://edition.cnn.com/2011/11/02/opinion/europe-shadow-economies/

    É culpa do credor ou da Europa ou do Euro…? Mas que conveniente.

    Diz-se por aí que a Europa é lenta a decidir e a ajudar, mas o que parece é que tem uma paciência de job para esperar todo este tempo que o paciente queira de facto ser ajudado a resolver o seu problema, que é um de demasiados gastos para muito poucas receitas e não de falta de dinheiro para continuar alegremente os gastos.

    Food for thought

    Cumps,
    Buiça

  • Zi gurate sumerium

    o zigurate são terreplanagens sucessivas que dão suporte aos pisos sup+eriores em termos económicos e demográficos foi sempre necessária uma ampla base de crentes para suportar os andares burrocráticos e os deuses de topo

    o problema não está no sul…nem no norte…que beneficiou do eurro mas não quer nem está em condições de manter o modelo ad perpetuum

    o dinheiro imprime-se

    as gentes infelizmente ou se importam ou se exportam

    fotocopiá-las num dá…

    por falar (escreber ) nissu istu num passa do zigurato bruxeliensis?

  • Zi gurate sumerium

    além disso juncos a dobrarem o bojador é capaz de ser uma empresa com pouco sucesso empresarial

    é verdade que aguentam os tufões pacíficos (e às vezes não)

    mas tentaram invadir duas vezes os dai-nipon e não sobrou junco de volta

    e axegavam à barra dus tejus (fan-tá-cia’s)

  • Maria Estácio

    Será de mais,para mim, o epíteto de ‘disparatado’ para a vontade de Dilma se querer ‘presidenta’.
    Embora pense q as palvras terminadas em ‘ente’ são mais para o neutro,linguisticamente, e nisso Dilma ‘perde 1 pouco de razão’. Se se pode falar nestes termos, dado q o plural [como a (de)nominação de ser e função], masculino e magestático, é e pode ser e releva de uma visão, praxis, jurisdição e ontologia, verdadeiramente abomináveis.
    E às vezes chateia,fede e enjoa.
    E apetece-nos trocar o neutro pelo feminino.

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