Para a política ser outra coisa, seria bom que os políticos e quem os aconselha começassem por se lembrar que “os portugueses”, essa massa mais ou menos indistinta a quem eles ostensivamente servem mas que parecem não valorizar por aí além, são portugueses e mais do que isso. Os portugueses são estudantes e trabalhadores, desempregados e empresários, pais e mães, avós e netos. São ou foram emigrantes e — já agora — muitos dos que fazem Portugal não nasceram cá.

Ontem foi a rentrée política e lá nos serviram mais um prato de mesmo com mesmo. A menos de dois meses das eleições legislativas, a grande pergunta é se a política pode ser mais do que isto ou se devemos conformar-nós à ideia de que, após umas semanas perdidas a discutir cartazes, é possível que os discursos de Paulo Portas e Passos Coelho — após quatro anos de governo — tenham sido de um vazio tão confrangedor que os comentadores de serviço se vêem aflitos para encher os intermináveis minutos de televisão que lhes dão.

Sim, eu sei. Já há muito que a política portuguesa se tornou nesta coisa previsivelmente coreografada em que, mesmo quando há um assomo de conteúdo, o que se passa a mais das vezes não sai do “fulano acusa sicrano de pôr em causa x ou y”, “sicrano responde a beltrano devolvendo as acusações sobre fulano”. A que se deve isto? Em primeiro lugar, é mais fácil: há espaço para ocupar, e isto ocupa espaço sem arriscar nada. Em segundo lugar, os políticos e quem os aconselha acha que “os portugueses” não querem ou não precisam mais do que isso. E, em terceiro lugar, por desconfiança: estamos de tal forma habituados a esta forma desidratada de política que ficamos de pé atrás se nos propõem que a política seja outra coisa.

Para a política ser outra coisa, seria bom que os políticos e quem os aconselha começassem por se lembrar que “os portugueses”, essa massa mais ou menos indistinta a quem eles ostensivamente servem mas que parecem não valorizar por aí além, são portugueses e mais do que isso. Os portugueses são estudantes e trabalhadores, desempregados e empresários, pais e mães, avós e netos. São ou foram emigrantes e — já agora — muitos dos que fazem Portugal não nasceram cá.

Mais surpreendente ainda: os portugueses têm princípios, valores e ideais. São libertários ou conservadores, progressistas ou liberais, religiosos ou seculares, um pouco mais disto ou um pouco mais daquilo — mesmo quando não usam essas palavras. Como é natural em gente que tem umas ideias e gosta de pensar sobre as coisas, gostaríamos que nos falassem à nossa visão do mundo — ou no plural: às nossas visões do mundo — e que nos dissessem ao que vêm e de onde vêm.

Poderia continuar, mas para ficar somente por aqui: os portugueses também são europeus e cidadãos do mundo, ou habitantes deste planeta. A Europa está a viver uma das suas grandes crises e temos o direito de saber quais são as propostas partidárias para o futuro de uma União onde Portugal deve ter estratégia e posição — e nós devemos poder escolher quais são. E apesar de erradamente se achar que isto são contas do rosário de outros, os políticos portugueses não estão impedidos de nos dizer o que pretendem fazer (se alguma coisa) sobre as alterações climáticas ou a crise dos refugiados, a CPLP ou a reforma da ONU.

Quem achar que não merecemos mais do que esta míngua de ideias em que já se está a tornar esta campanha eleitoral não merece, na verdade, o nosso voto. E sim, é para preencher este vácuo que se deve participar no debate público. Na próxima crónica, começaremos pelo estado da economia e da política globais, quando a crise se aproxima já de uma década de duração, e ganha novas geografias.

(Crónica publicada no jornal Público em 17 de agosto de 2015)

One thought to “E outra coisa?”

  • de Freitas

    Os políticos sabem que as alavancas de controlo da sociedade estão nas mãos do único poder actual: a finança, à qual os Estados e os governos obedecem cegamente.

    Do BCE, FMI, OMC, aos bancos mais poderosos, as alavancas não podem mudar de mãos pela acção do voto dos cidadãos. A democracia é refém da finança. Se os cidadãos não puserem na urna o bom voto, o único voto que convém à finança, que lhe permite de conservar o poder da sociedade, a finança tem os meios de obrigar a democracia a fazer marcha-atrás. Foi que verificamos na Grécia.

    E os políticos abrigam-se à sombra deste poder para conservar as suas regalias. E o que é mais grave, é que muitos cidadãos começam a recear de perder o pouco que têm, se não elegerem os mesmos, isto é , aqueles que jà conquistaram o apoio da finança.

    Veremos dentro em pouco na Grécia, que os antigos lacaios socialistas do PASOK e os seus antigos aliados da direita, voltarão ao poder , substituindo assim Tsipras e a esquerda.

    Aparentemente são os únicos que terão a confiança dos donos da Grécia e do mundo : a finança internacional.

    E o discurso de Corbyn, candidato à chefia do partido da esquerda britânico, que tem um programa revolucionário se chegar ao poder, isto é, um verdadeiro socialismo, que faz explodir a UE, a austeridade, as privatizações abusivas das empresas nacionais, e manda parar a corrida às armas nucleares, vai incitar a finança internacional a declarar a guerra à esquerda em todos os países da Europa, se necessário pelo “putsch” militar.

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