Ninguém nega que um primeiro-ministro pode querer verificar o passado de um possível governante, em particular os seus conflitos de interesse. Mas tem de o fazer legalmente.
Sabemos que isto está mesmo mal quando o Presidente dos Estados Unidos da América diz que “a boa notícia” é que “não somos a Grécia, nem somos Portugal”. Há estantes e estantes de livros sobre a decadência do Ocidente, uns péssimos, outros bastante bons. Pois bem. Podem desconsiderá-los a toda e poupar espaço na biblioteca com apenas esta frase do chefe da única super-potência global. Menos mal, pensa Obama, que não somos Portugal.
Agora as más notícias. A direita americana ainda não está no poder e, portanto, temos apenas uns dias, até 2 de agosto, para os EUA entrarem em incumprimento da sua dívida. Não é um incumprimento  por incapacidade da sua economia. Será um incumprimento por incapacidade da sua política, o que nos faz temer o pior. Os republicanos não estão preocupados com os efeitos da bancarrota americana na economia global e não se importam de provocar o armagedão não permitindo o aumento do plafond de dívida para a Administração Obama. Em condições normais, pensam eles, Obama ganha as próximas eleições. Como nada mais lhes interessa do que chegar ao pote (uma expressão portuguesa de há uns meses atrás) que venham as condições anormais. Entre as vítimas talvez esteja o segundo mandato de Obama, e nada mais importa.
De forma que nós não somos assim tão diferentes.

E não somos assim tão diferentes num segundo assunto, talvez ainda mais sério.

Um professor chamado Juan Cole, especialista em Médio Oriente e conhecido pelo seu excelente blogue onde se opôs à Guerra do Iraque, estava há uns anos bem posicionado para ganhar um emprego na Universidade de Yale. A CIA, nos tempos de Bush, interessou-se por esse caso e tentou sugerir a um dos seus espiões que reunisse um dossier sobre Cole. Não se percebe se o dossier foi ou não reunido, mas a notícia chegou anos mais tarde ao New York Times. A CIA negou, o jornal mantém a história. Nos EUA isto é um escândalo, porque a CIA está legalmente impedida de espiar cidadãos americanos.

O Expresso do último sábado noticia que o governo pediu ao SIS informações sobre Bernardo Bairrão, um executivo que foi convidado e desconvidado por Pedro Passos Coelho para secretário de estado. O governo nega, o Expresso mantém a história.

Não sei — nem quero saber — pormenores sobre Bernardo Bairrão. Sei que isto tem de ser tirado a limpo. Sei que esta história é seríssima e tem de ser levada às últimas consequências. Sei que o parlamento não pode ficar quieto e tem de chamar o SIS, e o gabinete do primeiro-ministro, a responderem por isto.

Ninguém nega que um primeiro-ministro pode querer verificar o passado de um possível governante, em particular os seus conflitos de interesse (ás vezes parecem nomeá-los pelos seus conflitos de interesse, que de resto são visíveis a olho nu). Mas tem de o fazer legalmente.

A boa notícia, achávamos nós, é que Portugal não é a Bielorússia. Aqui não basta levantar um telefone para pôr os serviços secretos a investigar um cidadão sobre o qual não há acusações. Temos de saber se assim continua a ser — ou não.

Quando os serviços secretos servem para investigar cidadãos individuais a pedido do poder político é a própria democracia que está em causa. Isto não é um assunto ligeiro.


One thought to “As más notícias”

  • Ricardo

    No entanto levanta-se com estes casos uma interessante questão: como se prova que algo não aconteceu? Se os serviços secretos (em ambos os casos) negam a existência de uma investigação, como pode o SIS ir ao parlamento demonstrar que não investigou? Será que estavam todos no Jamor a tirar a foto de família para 2011?

    Eu também posso neste comentário alegar que sei de fonte segura que o SIS me está a espiar, mas a menos que eu o possa provar, eles não podem provar que não o fazem!

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