Na Ferreiralândia, o ideal mesmo era não aparecermos no mapa para “eles” não saberem que existimos.
Assistir a uma entrevista a Manuela Ferreira Leite começa a ser uma sofrida sucessão de sentimentos: impaciência, nervosismo, pena, desconforto, incredulidade, pena outra vez e — crucialmente — síndrome da vergonha alheia. A gente torce-se na cadeira ao ver como Manuela Ferreira Leite se torce na cadeira, a gente cerra os dentes à espera da próxima pergunta, a gente respira fundo porque a pergunta é fácil e, finalmente, a gente pergunta como foi possível.
Sim, é assim, e vocês sabem do que eu estou a falar. Saibam que também me custa a mim, mas nós temos a responsabilidade de ser exigentes com quem ambiciona ser chefe de governo deste país, e o dever de ser rigorosos com quem se apresenta como rigoroso.
E a propósito de “rigoroso”, aí aparece outro problema. É hoje necessário assistir às declarações de Manuela Ferreira Leite acompanhado de um batalhão de linguistas, decifradores de expressões faciais e especialistas em hermenêutica ferreiriana. Caso contrário, a gente pensa que sabe sobre que escrever, e no dia seguinte as declarações já não querem dizer o mesmo. Foi assim quando Manuela Ferreira Leite “ironizou” com a suspensão da democracia por seis meses. E foi assim agora que Manuela Ferreira Leite admitiu formar um governo de bloco central para no dia seguinte nos dizer que tínhamos todos entendido mal.
Depois disto acontecer lá teremos sempre de ouvir algum porta-voz do PSD, com o seu melhor ar de ministro iraquiano da propaganda, dizer-nos que a culpa é de toda a gente que entendeu mal aquilo que a presidente do partido queria dizer. É certo que ninguém está livre de um mal entendido, mas não lhes passará talvez pela cabeça que quando isto acontece sucessivamente talvez a culpa seja de quem fala?
Não desista, Dra. Manuela. Somos todos imprecisos.
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Tentarei então ater-me a ideias de Manuela Ferreira Leite que, até à hora de fecho desta edição, ainda não foram desmentidas nem corrigidas.
Sabemos todos que há muitos argumentos contra ou a favor do comboio de alta velocidade entre Lisboa e Porto, e entre Lisboa e Madrid. Argumentos de oportunidade, de custos, de desenho e de sentido. Manuela Ferreira Leite tem-nos usado a vários, com maior ou menor sucesso.
E sabemos que há argumentos que não se deve usar quando se tenta chegar a primeiro-ministro de um país. E foi nesse erro que Manuela Ferreira Leite caiu quando disse que poderia recear-se que um “TGV” entre Lisboa e Madrid poderia levar os centros de decisão a fugirem para a capital espanhola.
Quem avisa amigo é: em plena campanha, os adversários fariam picadinho desta ideia. Então a líder do PSD não tem confiança nas forças vivas do país? Não aposta no potencial da capital nacional? Acredita que Lisboa ficaria esvaziada por causa de uma linha de comboio?
O pior é que acredita. Manuela Ferreira Leite conseguiu pegar no PSD, que em tempos foi o partido do risco, da internacionalização e da concorrência, e reinterpretá-lo segundo as velhas ansiedades nacionais do medo de competir, da pequenez poupadinha e do orgulhosamente sós. Na Ferreiralândia, o ideal mesmo era não aparecermos no mapa para “eles” não saberem que existimos. Quase quarenta anos depois da Ala Liberal, é a vingança da União Nacional.
One thought to “A vingança da União Nacional”
Manuela Ferreira Leite tem todas as fragilidades da consistência verbal e programática, menos a desvantagem de ser fajuta, qualidade que é um verdadeiro tiro no porta-aviões daquilo que nos interessa e danifica Portugal. Por isso, apontar as baterias ao fajutismo e à gastadoria seria mais avisado. Mas isto sou eu que vivo esfomeado, miserável e pobre, e digo as coisas como o monge Salvatore de Montferrat, no romance O Nome da Rosa.