Cai na real, Portugal. Nos próximos tempos tu só vais ser notícia quando fores má notícia. E vais ser notícia muitas vezes.

Quando vivi fora de Portugal pela primeira vez ficava magoado por muito raramente aparecer o meu país na imprensa internacional. Hoje passa-se o contrário: ficaria mais satisfeito se não encontrasse tantas notícias sobre Portugal e agradeceria que nos achassem mais irrelevantes. Eu gosto do meu país; também gosto de ler o Financial Times todos os dias. O que dá frio na barriga é ler sobre o meu país no Financial Times.

Cai na real, Portugal. Nos próximos tempos tu só vais ser notícia quando fores má notícia. E vais ser notícia muitas vezes. Não se vê nenhum milagre que consiga impedir esta sequência: medidas de austeridade insustentáveis, subida dos juros da dívida soberana, pedido de ajuda ao FMI e à União Europeia, reescalonamento da dívida (ou “bancarrota”, para os corações de pedra) e depois? Depois, resta-nos sair do euro. E não julguem que me agrada escrever isto: é tão deprimente que nunca devo ter demorado tanto para alinhavar dois parágrafos de crónica.

Mas e o orçamento? A austeridade? Os cortes? Mas-mas-mas nada. Tudo isso é insustentável e, portanto, irrealista. Estupidamente, a realidade recorrente é que tudo o que fizermos é quase indiferente para os “mercados”. Ao contrário do que nos querem fazer crer, os “mercados” não nos conhecem; não lêem os nossos números com olhos de águia, a não ser para lá encontrar o que já desejam ver. Podemos dar-lhes mais ou menos pretextos, mas os “mercados” não têm tempo infinito, não têm informação perfeita, e não têm interesse académico em ser objetivos e neutrais. Não estão preocupados connosco — estão excitados. Uma notícia em inglês tem para eles mais importância do que cinquenta josés sócrates, quinhentos passos coelhos e 5 mil medinas carreiras.

Se no Financial Times de anteontem vinha Portugal na capa, no de ontem vinha Angela Merkel, que dizia estar preocupada com o proteccionismo. Na fotografia, a chanceler alemã parece (como sempre) uma morsa: sonolenta mas capaz de nos triturar.

E com que então o proteccionismo preocupa-a? Que se pode então dizer da zona euro? Que é uma equipa de dezasseis países; no fim do jogo, ganha a Alemanha. Intencional ou colateralmente, Merkel herdou uma situação enviesada contra os seus competidores na UE, guardando para a Alemanha os mercados nos países emergentes. De facto, que desagradável seria se a China se lembrasse agora de ser proteccionista…

Quanto a nós, e uma vez que não temos moeda própria, só nos poderíamos tornar competitivos (se não fosse insustentável) punindo o nosso trabalhador — o carpinteiro — e destruindo o nosso mercado interno. Há um porém: teríamos de continuar a pagar as nossas dívidas numa moeda que custaria cada vez mais a ganhar e na qual são os outros a mandar.

Fará amanhã 92 anos que inventaram uma coisa que, não sendo igual, tem aqui um certo cabimento. A Alemanha assinou com os aliados a paz após a Grande Guerra e ficou obrigada a pagar reparações em moeda estrangeira (a última prestação foi paga, por incrível que pareça, no mês passado). Mas nos anos vinte, quanto menos valia a moeda alemã, mais insustentáveis eram as reparações, levando a moeda alemã a valer menos, e assim sucessivamente. Em quatorze anos disto, o desemprego subiu de dois para vinte e três por cento.

Um conselho para a greve geral: desprezem Sócrates e Passos Coelho como as irrelevâncias que eles são. Imprimam folhetos em alemão e entreguem na embaixada.

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