Isto está a passar-se, neste momento, debaixo dos narizes dos nossos conservadores. Como de costume, eles não se dão conta.
É digna de pena esta história. A opinião conservadora, que durante um ano “previu” a derrota de Obama (e depois de ter errado se proclamou em condições de nos explicar as “verdadeiras” razões da sua vitória) está agora reduzida a ter de vaticinar a decepção da esquerda com o futuro presidente dos EUA. Não dedicam um minuto a avaliar o ridículo desta situação, já para não falar em considerar o descaminho do conservadorismo nos últimos anos. Não; preferem viver na ilusão da desilusão.
Consideremos o seguinte: durante a campanha, Obama construiu uma rede activa de milhões de cidadãos americanos e ganhou a admiração de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo. Está fora de questão que Obama se transforme na fada-madrinha de cada uma dessas pessoas. Mas que interesse teria ele em abandonar a sua base de apoio, o movimento que laboriosamente nasceu com ele quase do zero e o acompanhou numa vitória histórica?
Exactamente um mês após a eleição, o chefe de gabinete de Obama enviou um email à sua lista de apoiantes (mais de dez milhões de endereços, a maior de sempre) pedindo-lhes que nos próximos dias 13 e 14 aceitassem receber em sua casa ou comparecer numa reunião para “reflectir sobre o que conquistámos e pensar no futuro deste movimento”. Não será essa rede inédita uma poderosa alavanca a utilizar em momentos de impasse com o congresso ou com outras lideranças políticas? Quando Obama falar com a indústria de automóveis, por exemplo, não será esse movimento de opinião uma arma temível em qualquer negociação? Para quê abandoná-la então?
Mas a coisa funciona nos dois sentidos. Aquela gente não é uma mera ferramenta, mas uma sofisticada sociedade em rede constituída por cidadãos que gostam de ser tratados como adultos e querem participar da mudança. Se for necessário, pressionarão Obama, e ele sabe-o e aceita-o. Isto está a passar-se, neste momento, debaixo dos narizes dos nossos conservadores. Como de costume, eles não se dão conta.
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Seja como for, passar a vida na ilusão da desilusão não é muito interessante. É muito mais interessante observar o que de novo se está a construir, e se possível participar nisso e trazê-lo para a Europa.
O mais recente discurso de Obama sobre a recessão pôs uma merecida pedra tumular sobre as políticas económicas dos últimos anos. O presidente eleito deixou claro que a sua política de recuperação iria ser expansionista e keynesiana para lá de qualquer sombra de dúvida. Noutra ocasião já dissera que o défice, embora importante, não seria a sua maior preocupação para os próximos anos. Agora anunciou o maior plano de despesa públicas na história dos EUA. Uma parte irá para a reconversão ecológica dos edifícios públicos; outra para projectos de reconstrução de infraestruturas “como desde os tempos de Eisenhower não fazíamos”; outra ainda para a investigação, o desenvolvimento e a internet; dedicando-se o restante ao investimento na escola pública.
A opinião conservadora bem pode ir proclamando vitórias imaginárias por causa de Obama ter nomeado funcionários e políticos experientes (se fossem inexperientes seria outro o problema, santa pachorra). O que lhes proponho é o seguinte: já que alegam estar tão agradados, que tal lhes parece importar algumas das suas políticas?
[do Público]
5 thoughts to “A ilusão da desilusão”
Tu ‘es um prato. Presuncao n te falta. Santa pachorra
Santa pachorra para aturar comentários como o anterior, só se for.
Mas estas pessoas não têm o mínimo de pudor em expôr assim o seu ressabiamento, a sua falta de ideias e de argumentos?
Não hà pachorra é para tanta falta de argumentos e credibilidade. Ora Obama nomeia nomes fortíssimos para a sua administração e logo os conservadores vêm reclamar vitória. Se assim não fosse, certamente, encontrariam outros argumentos para declarar nova vitória. A esquerda não está descontente com Obama, a direita conservadora é que parece estar em sobressalto constante, chegando ao limiar do ridículo.
Muito boa a sua análise, Rui Tavares
miguel r,
e sobre o assunto, disse nada. É uma das patologias dos vegetativos.
Muito bem, como sempre…