Saberemos ser livres?

A partir de hoje, 37 anos de democracia. Antes disso, 48 anos de ditadura. Na memória da gente viva, nós portugueses temos mais tempo de repressão do que de liberdade.

Essa constatação é tudo menos simples. Ela explica muito primeiro; causa uma medonha ansiedade depois.

Porquê? Porque faltam apenas onze anos para termos tanto tempo de democracia como tivemos de ditadura.

Porquê? Porque, ao contrário da ditadura, a democracia é feita por nós mesmos, com as nossas mãos. O que tivermos para apresentar ao fim dos nossos 48 anos será aquilo de que formos capazes.

Porquê? Porque se o resultado for medíocre, é porque nós — e não outros — fomos medíocres.

Porquê? Porque este ano andámos para trás. É natural que nos afastemos do 25 de Abril; não é natural que nos aproximemos do 24.

Ansiedade porquê? Porque no próximo ano faltarão apenas dez anos para o 25 de Abril. E dez anos não são nada.

Porquê? Porque, às vezes, parece que o tempo não chega para fazer uma coisa digna dos sonhos daquele dia. Não uma utopia, não uma coisa de sonhos. Apenas uma coisa de todos e para todos. De que nos possamos orgulhar, dizendo: foi esta a casa que a liberdade construiu.


Saberemos ser livres? A liberdade é, em todo o caso, superior à repressão. A democracia sempre superior à ditadura.

Mas e o resto — saberemos fazer tudo o que a liberdade permite? Então que economia é esta que nos dizem só funcionar se valorizar as pessoas pela metade, cortando-lhes um tanto em salário, outro tanto em autonomia e mais um tanto em estabilidade, depois de as ter ido buscar para fazer menos de metade do que aprenderam?

Saberemos ser livres? Então o que significa este coro celebratório pela chegada do FMI, esta exultação própria de inseguros, fanáticos contentes pela chegada da tutela estrangeira? O que justifica uma confederação patronal pedindo ao FMI a alteração da Constituição para facilitar os despedimentos, fazendo figura de apparatchik de país satélite pedindo a intervenção dos tanques soviéticos?

Saberemos ser livres? Então que explicação haverá para um parlamento cheio de deputados que temem pela “carreira” e um sistema onde os partidos julgam ter um direito de pernada sobre as opiniões das pessoas?

A resposta é: não se “sabe” ser livre. Tem de se aprender. Todos os dias, uns penosos, outros gloriosos, terão de ser dias da liberdade (“25 de abril sempre”?).

Gostaria de dizer que nos vamos safar com distinção do teste de 25 de abril de 2022. Que nesse dia vamos olhar para trás e pensar: não só a liberdade vale a pena como fizemos um país a sério.

Mas não sei. Este foi o ano da Grande Regressão — e vamos ainda em abril. Com uma Europa a desmontar-se que mais admira não regressarem os velhos fantasmas. Com um horizonte de austeridade provavelmente inútil a perder de vista. Não sei.

Porém, e mais uma vez, isto não é para se “saber”. Isto é para se fazer. Começa hoje, de novo, outra vez, para todos.

 

One thought to “A Grande Regressão”

  • JgMenos

    “Começa hoje, de novo, outra vez, para todos”.
    Bonita frase para dispensar do esforço bastante os poucos que sempre podem fazer a diferença e que por esse modo se autodispensam, permanecendo comodamente fiéis aos seus idealismos, comodismos e fidelidades de seita.

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