Constituição da República Portuguesa, artigo 7, número 3, onde se lê: “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.” O nosso primeiro-ministro e ministro dos negócios estrangeiros parecem, porém, ter uma opinião diametralmente oposta. 

A torrente constante de notícias sobre a crise poderia ter o efeito de nos despertar. Em vez disso, atordoa-nos. Entre o medo do que aí vem e a pena de si mesmo, Portugal só tem dois temas: os seus problemas ou tema nenhum.

Os nossos governantes dão o exemplo. Se o mundo nos interpela, respondem que Portugal não tem opinião mas — se tiver mesmo que ter uma opinião — terá a opinião que tiver a Alemanha na Europa. Ou os EUA no mundo.

De repente vem um povo bem mais lixado pela História do que nós e pergunta-nos: sim ou não? Esse povo vive resumido a dois cantos do país que acreditam ser o seu e ainda assim colonizados, ocupados, ou refugiados pelo mundo. A pergunta que esse povo nos faz é: pode o meu país — a Palestina, naquilo que resta dela e sem pôr em causa a existência de Israel — ser reconhecido pela comunidade internacional? Sim ou não?

Essa pergunta tem uma resposta clara na Constituição da República Portuguesa, artigo 7, número 3, onde se lê: “Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.”

O nosso primeiro-ministro e ministro dos negócios estrangeiros parecem, porém, ter uma opinião diametralmente oposta. Segundo a qual os povos só têm direito à autodeterminação se tiverem concluído negociações com o estado que os coloniza e ocupa, e não lhes concede a autodeterminação.

De onde vem esta opinião? Da lógica não é e já vimos que da Constituição não pode ser. Tampouco vem da campanha eleitoral, onde o tema não foi discutido.  Nem de um debate na sociedade civil ou na Assembleia da República, se bem que resumida a uma câmara de eco das direções partidárias.

Não é preciso procurar muito: trata-se da opinião dos EUA, onde o presidente Obama precisa de ser reeleito.

Há mais duas coisas indignas nisto.

A primeira é que Portugal, sendo membro temporário do Conselho de Segurança, tem especiais responsabilidades na resposta que der ao reconhecimento da Palestina. E a pergunta impõe-se: que Portugal se senta no Conselho de Segurança? Aquele Portugal cuja Constituição reconhece o direito dos povos à autodeterminação? Aquele Portugal que durante décadas exigiu essa autodeterminação para Timor-Leste? O Portugal que declarou unilateralmente a sua independência (como Israel, aliás)? Um Portugal digno, respeitador da dignidade dos outros povos, e consciente da responsabilidade que é votar com a justiça em mente, o mundo a ver — e a posteridade a registar? Ou Portugal nenhum? Nesse caso, mais valeria não nos termos candidatado ao Conselho de Segurança.

A segunda é dar-se a discussão por encerrada. Não pode ser assim. A decisão de Portugal vai ter de ser tomada nas próximas semanas e, até lá, é tempo de tomar essa decisão. É tempo de escrever para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, e para a nossa Missão nas Nações Unidas, pedindo explicações e exigindo que o voto de Portugal seja conforme aos princípios que nos norteiam enquanto país. É tempo de os jornais, rádios e televisões fazerem o seu papel de informar a população, representar a sociedade civil e responsabilizar os governantes.

Portugal vai ter oportunidade de participar num voto histórico. Temos de exigir aos nossos representantes que estejam à altura.

9 thoughts to “A cabeça a meia-haste

  • Ricardo

    Tentei, sem sucesso, procurar o artigo de opiniao (ao qual cheguei através dos links no The Lisboners) onde alguém defendia a abstençao dos países europeus na referida votaçao.

    Tentei, pois gostaria bastante de o reler, pois para mim fazia todo o sentido. Quando o direito à insurreiçao contempla atentados em autocarros, onde quem circula mais nao é que o comum dos mortais, tem tanta validade como muros erguidos em redor das nossas casas.

    Sim, todos os povos têm direito a ter o seu país, mas todos os povos inclui também os judeus e o Estado Israelita. Historicamente falando, a regiao tem tido problemas de “tu cá, tu lá” pelo menos desde que os egípcios construiram as pirâmides. A ONU pode ser um local onde se sentam à mesa e ambas as partes cedem, para ganhar, ou pode-se repetir as asneiras do passado, em nome de interesses pouco claros, e tomar parte por um dos lados.

    Portugal tem mesmo responsabilidades acrescidas, porque liderou o processo de libertaçao de um país na alvorada do séc. XXI. No entanto os cidadaos de Jakarta nao tinham de temer por misseis caídos dos céus, ou que o autocarro com que iam para o trabalho de manha acabasse nas notícias do mundo, o que já nao pode ser dito dos habitantes de Tel-Aviv.

    Nestas ocasioes gosto sempre de ir buscar a frase do “Ghandi” (o filme, nao sei se o visado realmente proferiu semelhante frase) em relaçao à lei do tabeliao (espécie de artigo único da Constituiçao do Médio Oriente): olho por olho, até todo o mundo ficar cego. Seria importante que a Constituiçao do local nao norteasse os nossos políticos. E seria bom que a Europa estabelecesse uma neutralidade activa.

  • ann

    É isso aí. Nem mais. Estará Portugal à altura?

  • Abraracourcix

    Escrever para o MNE ou/e para a nossa missão na ONU parece-me uma excelente ideia. Já alguém o fez? Existirá já uma carta-modelo que possamos utilizar? Para além dos efeitos óbvios relativos à preguiça e comodismo (meus, admito, mas também de boa parte das pessoas disponíveis para a questão mas que, se tiverem de escrever a sua própria carta, não o farão), seria útil a uniformização do argumentário.
    E será melhor o envio de dezenas, centenas ou milhares (I wish) de cartas/emails separados, estilo “inundação”, ou um único envio em forma de abaixo-assinado?
    Mesmo que este comentário não termine no teu blog, sempre te permite pensar no assunto, talvez dinamizando algum tipo de resposta. Fica o desafio, e a disponibilidade para participar no que quer que seja (é pouco, muito pouco, mas no meu blog infelizmente apenas visitado por um par de “irredutíveis” já coloquei um “banner” de apoio à independência da Palestina).

  • Filipe

    (correcção): Jerusalém LESTE

  • QUEREMOS as décadas DA ÁSIA

    Bom tendo em conta tomámos uma nau de Meca que tinha a bordo 300 passageiros entre os quais mulheres e creanças e depois de termos sacado 12000 ducados e não menos de dez mil em mercadorias, fizemos ir a nau pelo ar, com os passageiros que levava, com polvora no 1º de OUTUBRO

    ACHO QUE NÃ FOMOS ASSI TÃO LIXADUS COM A HISTOIRA
    TAMUS É MUY ÉS KÉ CID’US?

  • QUEREMOS as décadas DA ÁSIA

    MAS CONCORDO O BASCO DA GAMA ERA MUY MELHOR ministro dus negóiços estrañeros…
    até tem clube de futebol

    o Portas só tem um jornal e em bez dum Paulo da Gama só lhe saiu um Miguel como hermano

    José Maria Jasus
    num se phode ter tudo…

    e sus palestinos tão na mó de baixo há 63 anos
    ou 500 com os turcos ou 900 e tal com as cruzadas

    us juden andam na mó de baixo há 1800…e a demografia vai fazê-los voltar ao mesmo em 100 ou 150

    geológi ká mente é um suspiro nu tempo

  • QUEREMOS as décadas DA ÁSIA

    e quanto ao futuro não da liberdade mas da civilização ocidental

    e de valores como a partilha o auto-sacrifício

    mesmo aquilo que as abelhas chamam de altruísmo são valores em decadência

    cada um vê nos outros o inimigo e apaga-os…falam de democracia ou de outros grandes projectos utópicos

    mas são gente apenas interessada em fazer valer o seu ego e o do seu grupo…palestina ou portugal ou grécia tanto faz

    são bandos colonizados por grupos de interesses e funcionários
    nunca serão povos livres….

    mas cada qual….pensa que pode impor a sua vontade

    suprimindo ou calando as oposições e os incómodos vários

    tirando os malucos nas caixas de sabão nos hyde Park’s virtuais

    o resto…tem liberdade para quê?

    ver crescer obras camarárias sem interesse

    e discutir os problemas de uns centos de funcionários

    enquanto debaixo da estatuária milionária dormem vagabundos?

    e discutem-se os problemas de palestinianos que tal como 50% dos portugueses também são párias na sua pátria defunta?

    tenham dó.

  • QUEREMOS as décadas DA ÁSIA

    curiosamente sempre pensei que o bloco poderia evoluir para uma força que o PRD nunca foi uma alternativa……
    aos partidos cheios de élites de intelectualóides sem capacidade para raciocinar além dos interesses do partido ou da facção

    curiosamente é uma característica comum aos agrupamentos políticos palestinianos ao PCP e a outros tantos o monolitismo as figuras de proa os barões de 2ª ordem os senhores da casbah etc…

    o pensamento em enxame
    individualistas apenas na expressão do seu ego
    mas ortodoxos na sua ideologia

    logo judeus palestinianos e outros estão condenados ao conflito
    e nunca ao compromisso

  • JgMenos

    Se possível gostaria que desenvolvesse o tema incluindo ‘o direito do povo israelita à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão’.

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