A “sabedoria convencional” — noção tão útil quanto saborosa concebida pelo economista John Kenneth Galbraith — necessita daquele adjetivo por esta razão: é principalmente convencional e não sabedoria. Se fosse sabedoria diríamos dela apenas que é sábia. Ao qualificá-la de convencional explicamos que ela parece sabedoria pelo seu aspecto formal, admitido e, em certa medida insincero ou até mesmo fajuto: pseudo-sabedoria.
Começava Galbraith notando que certas verdades não são aceites por serem verdades mas antes por serem aceitáveis, o que é uma coisa muito diferente, e que de caminho possibilita que outras ideias aceitáveis — até mentiras — passem por verdades também.
No meu entendimento, foi isto que aconteceu há mês e meio com a publicação dos 250 mil telegramas diplomáticos americanos pela wikileaks, e que foi recebido com uma verdadeira barragem de pseudo-sabedoria. Era a sabedoria convencional que “aquilo” não era jornalismo — porque é aceitável entre jornalistas dizer isto de tudo o que não gostem ou, simplesmente, tenha sido iniciado fora das redações tradicionais. Conferia respeitabilidade instantânea dizer que a wikileaks era perigosa simplesmente porque é aceitável aos comentadores recusar tudo o que dê demasiado trabalho a entender. E toda a retaliação até então impensável em democracias se tornou aceitável porque as instituições e os políticos gostam de trabalhar como sempre trabalharam e as elites estão dispostas a ser protagonistas desses hábitos.
Em resultado: quando acreditamos estar perante um exemplo de sabedoria convencional não há melhor maneira do que confrontá-lo diretamente, de forma tão clara quanto possível. Nenhuma obliquidade funciona; só o ataque frontal. Por isso reagi naquela altura dizendo que a wikileaks “prestara um inestimável serviço à democracia”. Era exatamente o contrário do que nos dizia a sabedoria convencional, e por isso aquilo que ela tinha de ouvir.
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Mas nem eu estava preparado para o que aconteceu agora. Abro um artigo da respeitada Foreign Policy — revista de relações internacionais — e vejo que o título sugere que o levantamento popular na Tunísia é primeira “revolução wikileaks”. O embaixador da Tunísia no Reino Unido disse o mesmo, por outras palavras, à BBC. E o argumento definitivo — porque nada pode superar a palavra de um especialista — o ditador líbio Muhammar Khaddafi culpou diretamente a wikileaks pela queda do seu congénere e vizinho Ben Ali. Isto porque os telegramas da wikileaks revelavam, entre outras história da máfia familiar que dominava a Tunísia, a forma como a primeira-dama tinha fundado uma escola para elite em terrenos e infraestruturas cedidas de graça, após o que governo fechara a escola concorrente, e ela terminou vendendo a sua escola por um belo lucro.
Cuidado: não desejo substituir um pedaço de sabedoria convencional por outro. A revolução tunisina é acima de tudo obra dos corajosos e saturados tunisinos. E houve mais do que um catalisador — é conhecida a história do jovem licenciado desempregado que se imolou quando lhe confiscaram a banca em que ele vendia ilegalmente fruta.
Mas não deixa de ser uma enorme ironia que a wikileaks possa ter crédito a reclamar por uma revolução democrática no médio-oriente arabo-islâmico. O Ocidente suspirou — ou fingiu suspirar — por essa fugídia criatura todo este tempo. Invadiram-se dois países, morreram centenas de milhares de civis e milhares de soldados, gastaram-se biliões de dólares, passaram dez anos. E, num mês e meio, a wikileaks teve sucesso onde a NATO falhou.
É claro que isto será recusado e negado estridentemente, apenas porque dá trabalho a aceitar.
Publicado no Jornal Público a 17 de Janeiro de 2010
One thought to “‘Wikileaks 1 – NATO 0’”
Hello, Mr Tavares!
My name is Natalya Telegina, I’m a journalist of Russia’s magazine RBC (RosBusinessConsultinf). Now I write an article about the situation with the cannabis regulation in the world and notably in the Europe. According to information on the http://www.encod.org you took part in the conference “DRUG regulation: a way out of crisis?” in European Parliament. Could you be so kind to answer to few my questions about this event?
1. How could you estimate the results of the conference? How does it influence on the drug situation in EU? Is the conference an important event for the whole EU?
2. How do you think: is it possible to legalize or at least to decriminalize illict drugs in EU? How long it will take? Could the most part of EU decriminalize illict drugs like cannabis in 2015 rather in 2020 or 2030?
3. Which country can decriminalize illict drugs first of all (except the Netherlands and the Czech Republic)?
Thank you very much for your attention.
I’ll wait for your answer.
The web-site my magazine: http://www.rbc.ru
Sincerly yours, Natalya Telegina
e-mail: ntelegina@rbc.ru