há dois tipos de simplicidade. A simplicidade estúpida: o fascismo, a ditadura, a agressividade e a guerra. E a simplicidade inteligente: a democracia, a participação, o pluralismo e a cooperação pacífica.

Ali por 1998 li um exuberante artigo anunciando a “Nova Economia”. A vulgarização da internet, ainda no início, iria mudar tudo: veríamos nascer novas formas de trabalho e de distribuição numa rede potencialmente infinita à escala global. Cada um dos nós dessa rede, defendia o autor, mudaria os pressupostos da velha economia. Não havia nenhuma razão para crer que os habituais ciclos de expansão e retracção se mantivessem neste novo mundo com novas regras. Estávamos à beira de uma economia de crescimento interminável; provavelmente, já tínhamos até entrado numa era sem recessões.

Tudo bem: seria fácil escarnecer da ingenuidade hiperbólica deste artigo. Mas não — era um texto bem escrito, vigoroso, inteligente, apenas com algum abuso da palavra “exponencial”. Alguns dos seus pressupostos, principalmente sobre o crescimento da internet e a sua imbricação com a economia, não estavam errados. Isso não impediu, porém, que a “Nova Economia” de crescimento alegadamente infinito rebentasse um par de anos depois.

Por sua vez, essa crise foi uma brincadeira quando comparada com a que estamos a viver agora. Em Nova Iorque, por onde entrava o dinheiro para a bolha desses anos, perderam-se algumas fortunas. Menos corretores de bolsa abriram menos restaurantes de luxo em bairros “decadentes” que viravam bairros “da moda”. Em Sillicon Valley, para onde o dinheiro era carreado, perderam-se empregos a sério em empresas que ainda não tinham descoberto como ganhar dinheiro que não viesse de Wall Street. Mas a inteligência que estava por detrás da bolha, os engenheiros informáticos, cientistas e malucos em geral acabaram por ir para a empresa do lado ou simplesmente sentaram-se no ciber-café a criar o seu próprio software. O mundo da internet manteve-se fiel ao seu espírito aventureiro. Nada mau.

***

O que se passa hoje é de outra magnitude. As vias circulatórias das finanças deixaram de funcionar. Vários dos seus órgãos estão em falência. O sistema financeiro anglo-saxónico, inveja do mundo, só funciona ligado à máquina do estado. Os maiores bancos do mundo já não o são; foram substituídos por bancos chineses que ninguém no Ocidente conhece — o que o Ocidente pode ver, com espanto, é o Partido Comunista Chinês ganhar-lhe no seu próprio jogo do capitalismo. Há indústrias inteiras que definiram países — o automóvel nos EUA, para começar — que estão agora no estertor da morte. O valor essencial da casa para morar foi consumido numa orgia de construção e transacção a valores irreais e inverosímeis. E isto é só o começo.

Há quem ache que basta afinar algumas coisas para dar a volta à coisa. Que falta “transparência”, por exemplo. A ideia é bonita, — eu próprio a defendi há mais de um ano — mas já vem tarde. Nestas alturas as pessoas querem compreender (por isso os americanos votaram em alguém que foi professor e sabe “explicar”). Transparência não lhes basta, é preciso simplicidade.

E aqui está o risco: há dois tipos de simplicidade. A simplicidade estúpida: o fascismo, a ditadura, a agressividade e a guerra. E a simplicidade inteligente: a democracia, a participação, o pluralismo e a cooperação pacífica. Se a “simplicidade inteligente” não chega a tempo e horas, as pessoas acabam por virar-se para a “simplicidade estúpida”. Espero que a cimeira do G20 saiba que corremos contra o tempo.

One thought to “Uma nova simplicidade”

  • CN

    Acho que existe muito espaço à esquerda para compreender que os ciclos de bolhas especulativas seguidas de recessão e crises bancárias (que sempre existiram) têm origem na expansão da moeda e crédito permitida pelos Bancos Centrais que induz a subida de preços de activos como o imobiliário e/ou acções e outros activos financeiros ou mesmo bens de capital conduzindo ao sobre-investimento e sub-poupança.

    A cultura especulativa no seu pior alimenta-se desta subida de preços temporária e que beneficia os grandes tomadores de crédito e “gastadores” destas novas quantidades de dinheiro na economia (sem que esta tenha ainda visto reflectir a subida de preços para perda dos outros todos) e que se aproveitam de uma bolha temporária – efeito puramente monetario-quantitativo e assim não real.

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