As pessoas reais não precisam que gostem delas; querem é ser respeitadas.
Em Portugal, os políticos que gostam mais de dinheiro do que de poder tornam-se administradores. O tempo em que eram ministros ou deputados foi uma espécie de recruta a que não desejam regressar. É nas empresas, públicas, privadas, ou híbridas, que estão os salários de dezenas de milhares de euros por mês, os bónus de milhões, os pagamentos chorudos para assistir a umas raras reuniões — abrigados da crítica pública e auferindo dos salários de gestores mais altos da União Europeia, em termos absolutos.

Os políticos que gostam mais de poder do que de dinheiro ficam na corridinha de obstáculos a que às vezes se chama — só o nome assusta — a carreira partidária. Esta depende da submissão ao chefe e, tanto quanto possível, de guardar as suas ideias para si. A regra é: comenta tudo, não te comprometas em nada. Diz o mínimo, nunca escrevas, e andarás pelo seguro. Chegado ao topo dessa carreira o político que gosta de poder exercerá o poder nos limites partidários, o que se resume a isto: manter um nicho de mercado. Pode ser no mercado da governação ou n, o mercado da contestação, desde que fale para o seu nicho, que lhe devolverá o eco da sua voz.

E depois há os políticos que sonsamente dizem que “gostam de pessoas”. São os mais preocupantes de todos, porque se gostassem mesmo de pessoas começariam por querer ser livres e que os outros fossem livres também. Olhariam para as pessoas e não as veriam como sujeitos passivos da sua compaixão televisiva, mas como pares pensantes que também se nutrem de ideias e também têm uma noção da realidade e que detetam a milhas quando ideias e realidade não encaixam.

As pessoas reais não precisam que gostem delas; querem é ser respeitadas.

Três exemplos:

Na passada sexta, o governo declarou-se derrotado por antecipação e admitiu que o défice já vai transbordando para lá dos limites convencionados com a troica, caso não se lancem novas medidas “extraordinárias” e “irrepetíveis” para puxar o défice para baixo. Com o fim do ano a aproximar-se, fala-se em cortar o subsídio de Natal. Em Portugal o “extraordinário” é o novo nome para a normalidade e o “irrepetível” tem uma regularidade impressionante.

Os comentadores continuam a falar uns por cima dos outros contra o desperdício; nenhum deles parece ficar tão impressionado com o aumento do desemprego como com os indicadores orçamentais. E, no entanto, o desemprego é o desperdício supremo: de recursos humanos, de fundos sociais e das energias coletivas do país.

Ainda antes de sair uma manifestação para a rua, já o primeiro-ministro se alarmava em público com “possibilidades de tumultos” e com gente que quereria “incendiar as ruas”. Quando os sindicatos finalmente fazem um dia de protesto pacífico, as televisões falam quase menos da multidão que houve do que dos preparativos das polícias e dos serviços secretos para a violência que não houve.

Juntemos isto tudo e começamos a entender, não o desespero, mas o desânimo, a desmoralização e a anomia. É como se tivesse sido lançada para cima de nós uma camada espessa de irrealidade. Os caminhos para poder sair destas trevas parecem bloqueados; só com dificuldade alguém consegue respirar na cultura partidária dominante. Por este caminho, a energia de todos acabará drenada pela falta de ideias — e de ideais — de uns poucos.

One thought to “Uma jeremíada”

  • e pronto finis.....

    1º a política também produziu cincinattos que são coisa rara numa sociedade de consumo

    o respeito é mais um acessório de gangues

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