O interesse da proposta é que ela tanto pode ter uma versão “federalista”, em que seria coordenada ao nível da União, como outra “soberanista”, em que seria emitida por iniciativa dos estados-membros. Claro que a ideia geraria grandes discussões sobre a possibilidade de esta ser uma moeda paralela que representaria uma saída não-declarada do euro. Essa dúvida, do meu ponto de vista, é exagerada: os estados norte-americanos fazem o mesmo e não consta que tenham saído do dólar.

Na sua crónica de hoje no Financial Times (antecipada ontem na internet), Wolfgang Münchau sugere à Grécia que vá preparada para aguentar firme nas conversações de hoje do eurogrupo, mas que tenha um plano B. Esse plano B, curiosamente para um autor conhecido por ser o europeísta mais europessimista da Europa, não é a saída do euro. Münchau aconselha a Grécia a emitir uma espécie de créditos fiscais com que o estado possa cobrir as suas despesas atuais enquanto a economia não recupera.

Há anos que a ideia dos créditos fiscais me intriga. Em setembro de 2012, num texto que contava entre outros autores com António Peres Metello e Viriato Soromenho Marques, assinalámos a possibilidade de «criação de um sistema de “títulos fiscais” para cortar a fuga de capitais para os bancos estrangeiros, promover a poupança e aumentar o financiamento de curto prazo do estado, diminuindo a sua dependência dos fundos de resgate. Os “títulos fiscais” serão um produto financeiro voluntário que servirá ao contribuinte para pagar impostos do ano corrente ou de anos futuros, contra um desconto».

Mais recentemente, o grupo europarlamentar dos Verdes europeus baseou nesta ideia o seu plano de investimento para a economia europeia, que pretende ser a resposta ao plano de Jean-Claude Duncker, baseado na alavancagem e atirando para montantes insuficientes para a recuperação da economia. Ao passo que Juncker propunha criar um plano de 300 mil milhões durante três anos, a partir de apenas 16 mil milhões de euros “reais”, o plano dos Verdes europeus é de 800 mil milhões em cinco anos, para investimentos em áreas com valor social e ambiental, mas com dinheiro real obtido através da emissão de créditos fiscais.

Não há um modelo único para os créditos ou títulos fiscais. Na primeira proposta que ouvi, os títulos fiscais eram comprados ao estado e serviam para antecipar pagamentos futuros ao fisco, contra um pequeno desconto. Depois de comprados ao estado, esses títulos eram transacionáveis, mas teriam de ser descontados mais tarde por um contribuinte — indivíduo, família ou empresa — como forma de cumprir com as suas obrigações fiscais.

Na versão dos Verdes europeus, os créditos fiscais eram diretamente concedidos a prestadores de serviços de utilidade pública para um uso condicionado a objetivos de valor social ou ambiental, desde o combate à pobreza até aos projetos de incremento de energias renováveis. Estes prestadores, que poderiam ir de municípios a regiões, escolas ou hospitais, ou entidades no terceiro setor, poderiam então vender esses títulos para reunir fundos, desde que estes fossem utilizados dentro dos objetivos do programa.

O interesse da proposta é que ela tanto pode ter uma versão “federalista”, em que seria coordenada ao nível da União, como outra “soberanista”, em que seria emitida por iniciativa dos estados-membros. Claro que a ideia geraria grandes discussões sobre a possibilidade de esta ser uma moeda paralela que representaria uma saída não-declarada do euro. Essa dúvida, do meu ponto de vista, é exagerada: os estados norte-americanos fazem o mesmo e não consta que tenham saído do dólar.

(Crónica publicada no jornal Público em 16 de Fevereiro de 2015)

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