O Rapto de Europa – Gustave Moreau

Europa é nome de mulher. Mas, curiosamente, Europa não era europeia. Europa, a mulher por quem Zeus se encantou, era uma princesa fenícia, ou seja, da região do Líbano. O que significa que Europa era, na verdade, asiática. Além de mulher e estrangeira, Europa foi violada e sequestrada, e trazida para a ilha de Creta.

Foi desta história pré-moderna (que parece pós-moderna) que nasceu a ideia de Europa. Nasceu na Grécia, em grego, mas olhando o continente a partir de fora. Só assim poderia ser. Certamente que as tribos que nessa altura povoavam o centro do continente não se perguntavam que coisa era a Europa, nem sequer se existia. Só para os navegantes do levante, que estavam na encruzilhada entre três continentes, fazia sentido dizer “ali é da banda da Ásia”, “ali é da banda de África” e “aqui é a Europa”.

De cada vez que ouço alguém dizer “nós não somos a Grécia”, agora penso — “e é por isso que não somos europeus”. Claro que nós não somos gregos, nem estónios, nem bávaros. Isso é tão claro que, em geral, não precisaríamos de o dizer. A insistência, a obsessão em não ser “como os gregos” quer apenas dizer que os europeus já não se reconhecem uns aos outros.

Ainda há poucos anos, dizia-se que tínhamos aqui um belo continente, com alto nível de desenvolvimento económico e social. A Europa é uma ilha de prosperidade, ouvia-se dizer aos mercadores de banalidades, que para nos distinguir dos outros (dos “árabes”, dos “muçulmanos”) insistiam na nossa herança comum helénico-romana e judaico-cristã. Supostamente, éramos todos cristãos e ocidentais e portanto nada podia correr mal: o sucesso estava na nossa cultura. Agora, os mesmos mercadores de banalidades dizem que a Grécia é “incapaz de se reformar” ou que não tem uma “cultura de eficácia”.

Todos os dias ouço ou leio uma nova explicação culturalista para explicar por que não deveria a Grécia ter entrado no euro. No fundo, os gregos não estavam preparados, ou tinham uma deficiência qualquer congénita, deve ser isso. O que me assusta nestas explicações mal amanhas e inventadas à pressa é como elas são desculpas para evitar ver tudo o que estava errado no desenho do euro.

Diz-se que o euro não deveria ter sido feito para “economias tão diferentes” incluindo as daqueles depreciados países que não conseguem crescer. Esquece-se, em primeiro lugar, que nenhuma moeda tem que ser feita para economias que são todas iguais: o dólar não serve à bolsa de Nova Iorque e aos campos do Alabama? o real não serve às empresas de São Paulo e aos vendedores ambulantes da Amazónia? Em segundo lugar, evita-se pensar que uma razão por que não crescem estes depreciados países como Portugal e a Grécia é talvez porque o euro, da maneira que está, não os deixa crescer.

Assim como está, é mais fácil lançar as culpas nos gregos — por serem como são. E nós, portugueses, jogamos esse jogo. Até um dia, surpreendidos, virmos que nos dizem o mesmo.

Ora nem os gregos, nem os portugueses, nem os alemães “são como são”. Todos os povos são eles e as suas circunstâncias.

É por isso que, nas circunstâncias atuais, deveríamos dizer: sim, somos como os gregos. E nós e os gregos somos tão europeus como os alemães. Sim, é verdade: temos uma dívida insustentável. A dívida é nossa, portuguesa; mas o problema é nosso, europeu, e só nesses termos europeus se pode resolver. Que fique bem claro: não há maneira de nos tirar do euro nem de nos expulsar da União.

5 thoughts to “Povos e circunstâncias

  • Francisco P.Lima

    Muito bem Rui, concordo perfeitamente…
    Não há dúvida que a perspectiva de um historiador é sempre mais abrangente e ampla e por isso mais correcta e sensata!

    Quanto aos nossos dirigentes europeus, só pergunto: quem nos protege deles..?

  • João André

    Caro Rui Tavares, não sei se a sua colega do parlamento Sophie in ‘t Veld já o informou da criação de um site por parte do PVV de Geert Wilders para denúncia de cidadãos leste-europeus (especialmente polacos) que “roubam” o emprego a holandeses. Informe-se, que o assunto é de bradar aos céus e em Portugal ninguém lhe liga peva.

  • Sabrina

    Pois muito bem dito. Mas esta atrasado numa coisa, porque aqui na Holanda ja me apontam o dedo e me perguntam porque os portugueses estao como estao. Logo ja nos dizem o mesmo. Ja nos apontam o dedo e reclamam que nao deviam pagar por males nossos. Mas eu espeto-lhes na cara que quem os alimenta sao os paises mediterranicos, logo grecia, portugal, espanha e italia, por isso que tenham bem cuidado com o que dizem que quem fica com a comida nao sao eles! Queria ver eles a comer batatinha sem nada outra vez! LOL
    Alem de que uma licaosita basica de gestão europeia resolve o assunto de tentarem apontar-me a culpa por um problema que nao é Portugues ou Grego mas europeu. Sinto-me enveronhada as vezes por ver que tanta “solidariedade e irmandade” foi deitada ao ar ao primeiro sinal de panico e as rivalidades irracionais voltaram para destabilizar um ideal. Nao é perfeito melhora-se e estes senhores nao, querem tapar o sol com a peneira e mandar embora quem é menos conveniente… quero ver o que vao fazer agora com a franca na mira destes mercado idiotas, vao dizer para sei ir embora tambem? enfim…é triste tal mesquinhice!

  • mjcarrilho

    Está lindo o seu post. Sim, somos como os gregos, vindos de todos os sítios e estamos aqui , por acaso.

    Como não sou historiadora,sempre que penso na europa imagino “uma organização muito desorganizada” aonde nem devíamos ter entrado.

    Quem me dera que Zeus voltasse e a levasse com ele!

  • na estrada do susexo

    Resumindo os deuses gregos desde os primórdios têm raptado e violado mulheres muito tempo antes das máfias turcas e russsas…

    ainda por cima foram eles que começaram o turismo sexual na ásia
    se calhar foram os primeiros a filmarem porno com deuses transformados em animais

    e ódespois querem defender os deuses gregos?
    caquilo é o berço da civilização
    atão se somos os descendentes de uma escrava sexual asiática

    e inda querem que gostemos dos gregos

    o euro o escudo ou o dracma…todos eles são moedas que afectam diferencialmente as regiões onde coexistem

    num país onde o escudo era o rei
    a cova da beira e o vale do ave foram estrangulados por uma moeda comum

    o problema é onde se põem as moedas e onde as tiram

    uma Itália onde a lira sofreu 50 anos de desvalorização contínua
    (pronto 57 anos) também nem por isso ganhou con petit iva idade
    logo…………eurro ou scutum ou sestércio que venha o real e as moedas de vintém e escolha

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