Para ultrapassar a primeira crise europeia do século XXI, precisamos de um tipo especial de europeus. Gente que entenda o papel do seu país na Europa, e o papel da Europa no mundo. Que queira reformular com as pessoas e não contra elas. Que tenha noção das consequências de um novo fracasso. Que esteja mais interessado em novas soluções do que velhos dogmas.

No segundo semestre de 2011, a situação na zona euro tornou-se crítica. O resgate grego tinha-se dado pouco mais de um ano antes, o português durante o primeiro semestre, o irlandês entre ambos. Mas os resgates não só não conseguiam acalmar os juros nos mercados da dívida soberana, como até os excitavam mais ainda. Após cada país que caía, a aposta era sobre qual seria o próximo a cair. E os próximos seriam a Espanha, e a Itália, e depois a França. E com isso seria o fim desordenado do euro, uma coisa pouco bonita de se ver.

Em setembro desse ano escrevi uma crónica chamada “Onde estamos”, onde defendi a implementação de uma solução para a crise do euro baseada na “Modesta Proposta para Salvar o Euro”, de Yanis Varoufakis e Stuart Holland. Ao contrário das anteriores propostas baseadas na mutualização da dívida, politicamente bloqueada, a proposta de Varoufakis e Holland baseava-se na emissão direta de títulos pelo Banco Central Europeu e na reciclagem da dívida soberana num prazo longo, ao passo que o Banco Europeu de Investimentos financiaria um plano de recuperação e relançamento da economia, em particular nos países do Sul e da periferia.

Não havia tempo a perder.

Era preciso que Varoufakis e Holland viessem a Bruxelas explicar a proposta deles aos líderes do parlamento europeu. Começámos imediatamente a trabalhar nessa viagem, que ocorreu no fim de novembro de 2011.

Para ultrapassar a primeira crise europeia do século XXI, precisamos de um tipo especial de europeus. Gente que entenda o papel do seu país na Europa, e o papel da Europa no mundo. Que queira reformular com as pessoas e não contra elas. Que tenha noção das consequências de um novo fracasso. Que esteja mais interessado em novas soluções do que velhos dogmas.

Yanis Varoufakis é certamente um desses europeus. É também um dos poucos economistas a não encarar esta crise como um mero economista. Onde outros se limitam a proclamar as suas equações e a desconsiderar o resto, Varoufakis entende a necessidade política de procurar soluções que não dependam de fazer de conta que o eleitorado alemão não exista ou que os tratados europeus possam ser ignorados. Coisa rara num economista, não pretende sacrificar os empregos e prejudicar as vidas de milhões de pessoas só para provar que tem razão. Está longe, muito longe, de achar que o euro é perfeito, mas prefere melhorá-lo do que lançar o seu país e a Europa no desconhecido.

Após aquela visita a Bruxelas em novembro de 2011, um outro economista cosmopolita do Sul — Mario Draghi que acabara de tomar posse no BCE — conseguiu estancar a fase aguda da crise do euro, mas os problemas estruturais estão ainda todos conosco. Mais de três anos passaram, e as mentes estão mais disponíveis para os outros elementos da Modesta Proposta. Os países do Sul continuam a precisar de um “Projeto Ulisses” que partilhei em conversa numa cafetaria, para grande entusiasmo de Varoufakis e de Stuart Holland (ver o resultado em projetoulisses.net).

Varoufakis está do lado da civilização e, com as suas capacidades de ironia e persuasão, será capaz de convencer uns quantos colegas no Conselho Europeu. Para bem de todos nós, esperemos que o consiga.

(Crónica publicada no jornal Público em 28 de Janeiro de 2015).

3 thoughts to “Ouçam este homem

  • mm

    Não só as suas capacidades de ironia e persuasão, mas, como a do 1º ministro grego, a ousadia e atitude de insubmissa e refrescantíssima liberdade de postura e visão, q começam com ‘a dos costumes’ e a do Corpo (e de n pedir licença para tal),

    perante a engravatada (sobretudo com aspas), formalérrima e seriíssima (com mtªs!, aspas, bem entendido) Europa,

    refém dos seus (de alguns…) interesses (‘negócios-iatas’) e vergonhosa hipocrisia, discriminação e silêncio qt à psicopática indiferença pelas tragédias na sua própria casa (não falando de outras…),

    dizendo como o rei vai nu, com denodadas coragem e estatura.

    Como não o foram e fizeram o nosso e mts governos, ‘escudos humanos da srª merkel’, tolhidos na sua sanha (e nem sequer se responsabilizndo, atrás das saias da dita), sem um indício de assomo ou e indignação pelos seus povos…

    Sim, a ‘Europa’ estava a precisar de (expressão horriplilante, até por q têm sido, por esse mundo a fora, mt mais os ‘ovários’ a cumprir ‘essa’ missão…) …quem ‘os’ (n ditos) tivesse no sítio!!!

    Com diria e parafraseando Primo Levi …’se isto é Europa…!?’

  • Manuel Gomes Alexandre

    Os conceitos de Economia e de Politica, como ciências sociais fundamentais, indissociáveis e integradas, que são,pressupõem, sempre e necessariamente, a existência de uma comunidade humana, e, entre elas, as comunidades nacionais.À Economia compete promover a satisfação das necessidades de todas as pessoas dessas comunidades,sem excluir quem quer que seja, bem como a obtenção dos meios adequados a essa satisfação, pelo trabalho socialmente solidário de todas as pessoas capacitadas para esse efeito. Significa isso, que a Economia de qualquer comunidade nacional ou qualquer outra, é representativa de todos os direitos e de todas as obrigações individuais e sociais de todas as pessoas dessa comunidade, na medida das necessidades e capacidades específicas de cada uma. É, precisamente, para garantir, plenamente, esses direitos e essas obrigações que se impõe a exigência da autoridade do poder politico, democraticamente eleito, pelo voto livre e directo de cada eleitor e não por corporações de interesses específicos. Nesse sentido compete aos eleitores das pequenas comunidades de base – freguesias – eleger pelo voto livre e directo, os representantes desses poderes locais, aos quais, em representação dos seu eleitores, compete eleger pelo voto livre e directo de cada um, os representantes dos poderes municipais em que essas freguesias ou poderes locais se integram, competindo a estes promover a correcção das assimetrias de desenvolvimento existentes entre as freguesias que integram cada município, bem como a eleição dos deputados ao Parlamento, em função do universo social que representam e o total de deputados instituído constitucionalmente, competindo à Assembleia Nacional,no seu conjunto, promover a correcção das assimetrias de desenvolvimento existentes entre todos os municípios, assim como compete aos representantes dos poderes locais corrigir as assimetrias de bem estar social existentes entre as suas populações. Em síntese, competindo ao poder politico assegurar as finalidades da Economia, designadamente uma constante situação de pleno emprego e o máximo aproveitamento de todos os recursos humanos e materiais disponíveis, compete -lhe motivar e apoiar, tanto quanto lhe for possível,o espírito empreendedor, criativo e criador da iniciativa privada possível; mas compete – lhe também, como responsável fundamental pelas finalidades da Economia, ser o agente económico, financeiro e social necessário para esse efeito, bem como a exclusividade da actividade bancária como um direito e poder de soberania, em que o roubo legalizado da especulação financeira não tem cabimento, porque é um absurdo económico e financeiro de natureza criminosa, que subverte os conceitos de Economia e de Politica, como ciências sociais fundamentais que são, dando origem a crimes graves sociais legalizados.

  • MANUEL GOMES ALEXANDRE

    A ESPECIFICIDADE DA NATUREZA HUMANA:- O ser humano é uma dualidade específica,animal,mas, simultaneamente, social ou sociável,solidário e racional,atributos estes,indissociáveis e integrados dos quais decorre um novo atributo, também específico, que é o atributo de ter consciêcia,do qual decorre ainda, também específico, o conceito de Ética. Estes atributos, que distinguem os seres humanos dos outros animais, permitiu que alguns filósofos e teólogos afirmem que os animais irracionais já nascem completos, mas os seres humanos estão constantemente a fazer – se, num constante e progressivo aperfeiçoamento dos seu atributos, cujo limite desse aperfeiçoamento reside na instituição e prática entre si, de relações de amor – mútou a que se referiu Cristo, o que implica a maximização, simultânea, da sociabilidade, da solidariedade e da racionalidade.Ora, genericamente, isso já aconteceu e continua a acontecer, no âmbito das comunidades familiares monoparentais, desde os primórdios da Humanidade, e actualmente dominantes, bem como nas tribais originárias do mesmo tronco hereditário comum, actualmente em vias de extinção, ambas caracterizadas, se nem sempre, por relações sublimes, de amor – mútuo, por relações civilizadas de cooperação solidária e de complementaridade de aptidões individuais e comunitárias com uma finalidade eminentemente social, em que o interesse colectivo se sobrepõe a qualquer interesse individual ou corporativo privilegiado. É,portanto, on tipo de relações humanas que define o nível de civilização dos povos. Quando tribos originárias de troncos hereditários diferentes entraram em conflito pelo domínio dos territórios que ocupavam, as tribos vencedoras,baseadas em relações de domínio absoluto, submeteram á condição de escravos absolutos, as tribos vencidas e assumindo, assim, a condição de animais mais selvagens do nosso planeta.Mas, porque a Natureza é inconformável com o absurdo, fez com que violentas revoltas dos escravos forçassem os seu donos a transitar das relações absolutamente selváticas de domínio, para relativamente selváticas ou socialmente discriminatórias de competição, actualmente dominantes e cujas consequências actuais sociais, económicas e políticas são as seguintes: 15% da Humanidade controla mais de 85% de toda a riqueza mundial; 60% dessa Humanidade é extremamente pobre e morre de fome, muito pobre, pobre e relativamente pobre; e apenas 25%, tem, diferenciadamente, uma existência digna. Lamentavelmente, significa isso, que a espécie humana é a mais selvagem de todos os animais. Civilizá – la consiste em substituir as relações selváticas de competição e de domínio, caracteristicas dos animais selvagens, por relações humanas de cooperação solidária e de complementaridade de aptidões e de competências individuais, com uma finalidade eminentemente social, em que o interesse colectivo se sobrepõe a qualquer interesse individual ou corporativo, e a que maiores capacidades individuais correspondem mais obrigações sociais, e a menos capacidades individuais correspondem mais direitos sociais.

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