Há dinheiro e há maneira de o encontrar. O que falta é vontade política para ter o nosso dinheiro de volta e recuperar o futuro.

De cada vez que um progressista defende políticas de investimento, apoio ao emprego ou expansão dos direitos e do estado social, há sempre a resposta inevitável, que é uma pergunta: mas onde está o dinheiro? Não há dinheiro!

Será verdade?

Vejamos alguns números. O branqueamento de capitais na União Europeia —  que pode ser desde reciclagem de lucros do tráfico de drogas ou armas até à evasão fiscal ilegal ou semilegal — vale entre 2% a 2,5% do PIB europeu. Em impostos não recebidos, os estados-membros da União perdem um bilião de euros. Bilião com “b” — um milhão de milhões. Por ano.

Para comparação, o plano orçamental da União é de 900 mil milhões — para os próximos sete anos. Abaixo, portanto, dos impostos fugidos num só ano. O que perdemos em evasão e sonegação fiscal chegaria para fazer dez planos de crescimento e emprego iguais ao apresentado pelo presidente Hollande — que ainda não está financiado.

E em Portugal? Calcula-se que no ano de 2010 Portugal tenha perdido cerca de 12 mil milhões em impostos não arrecadados. Vejamos: o nosso défice nesse ano foi cerca de 15 mil milhões. Os impostos perdidos cobririam 80% do nosso défice, ou mais de 60% dos nossos gastos em saúde, que é um dos itens mais caros do nosso orçamento. Se tivéssemos arrecadado esse dinheiro daria para pagar toda a nossa dívida — tal como estava — em apenas 13 anos.

A falta desse dinheiro mantém-nos pobres e rouba-nos o futuro.

Claro, desde que a crise começou estes números pioraram: graças à senhora troika, a nossa dívida saltou para o dobro; a nossa economia paralela, que já valia metade da despesa pública, não terá parado de aumentar.

Como se pára isto? Uma coisa é certa: não é com a fatura do café e do pastel de nata. A evasão fiscal, sistemática, estruturada, sofisticada não é fácil nem barata. Precisa de uma rede de empresas fictícias, advogados, contabilistas, contas bancárias em múltiplas jurisdições. A grande evasão — lá onde está o dinheiro — está nos grandes negócios. Legais e ilegais.

As jurisdições, buracos na lei e zonas de sombra utilizada pelas máfias feias, porcas e más são as mesmas a que os bancos mais respeitáveis (se é que os há), os maiores escritórios de advogados e os contabilistas mais astutos lançam mão para fazer o “planeamento fiscal agressivo” dos seus clientes. O dinheiro de ambos anda nos mesmos carrosséis de IVA, nas mesmas companhias fictícias e faturas falsas.

Para acabar com isto é preciso saber o que fazem os bancos europeus, mesmo nas suas filiais fora da União — usando para isso o novo mecanismo único de supervisão. É preciso criar um registo europeu de acionistas legais de empresas, para acabar com a vantagem de as usar como bonecas russas. É preciso criar um registo legal com o “beneficiário último” dos ativos em banca, sempre uma pessoa individual, e fazer disso uma diligência obrigatória dos bancos, reforçada no caso de “pessoas politicamente expostas” (ditadores, acusados de corrupção e outros). É preciso responsabilizar legal e criminalmente os administradores de empresas, incluindo os testas-de-ferro, por ação ou omissão na lavagem de dinheiro. E é preciso criar uma unidade europeia de investigação em crime económico. Há dinheiro e há maneira de o encontrar.

O que falta é vontade política para ter o nosso dinheiro de volta e recuperar o futuro.

(Crónica publicada no jornal Público em 6 de Março de 2013)

2 thoughts to “Onde está o dinheiro?

  • C. Medina Ribeiro

    Só em multas de estacionamento não cobradas (e só aqui na minha rua…), está dinheiro que chegue e sobre para resolver o problema do défice!

  • JQuintal

    Caro Rui Tavares, parabéns pelo excelente trabalho que está a fazer. Os conteúdos deste artigo são deveras pertinentes e devem ser divulgados até à exaustão. Não nos podemos esquecer que muitos dos famigerados «offshores» estão no interior da UE, no entanto vai dizendo que é necessário acabar com eles… .

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