[Público 29 agosto 2007]

O “novo Vietname” já era; qualquer aventura da super-potência correrá agora o risco de ser apelidada de “um novo Iraque”.

Em que ficamos? Ainda a guerra no Iraque não tinha começado e já os apoiantes de Bush negavam com estridência que ela se pudesse tornar num “novo Vietname”. Agora, afirma o próprio Bush que a guerra não pode terminar para que não se torne num “novo Vietname”. Mas, tipicamente, Bush chegou ao fantasma do “novo Vietname” num momento em que ele já não quer dizer nada: o desastre iraquiano está num campeonato à parte. Bush terá muita sorte se o Iraque não se tornar a bitola dos fracassos futuros.

O “novo Vietname” já era; qualquer aventura da super-potência correrá agora o risco de ser apelidada de “um novo Iraque”.

O novo Iraque é uma mistura de caos e falta de transparência única no mundo. Milhões de dólares iraquianos ou estrangeiros desaparecem, às vezes dos cofres dos próprios ministérios, às vezes em simultâneo com os próprios ministros. O exército e a polícia estão dominados pelas milícias xíitas. Para compensar, o exército americano começou a dar armas ( alegadamente “para conter a Al Qaeda” ) às tribos sunitas que antes eram inimigas e amanhã podem voltar a ser. Os sunitas aceitam-nas prevendo batalhas futuras contra os xíitas e os curdos. Ainda ontem o New York Times noticiava a descoberta de uma rede envolvendo militares que pode ter defraudado o contribuinte americano em milhares de milhões de dólares na compra de armas supostamente destinadas para as tropas iraquianas e americanas. Ninguém sabe quanto dinheiro e quantas armas andam à solta. Mesmo o número de três mil soldados americanos mortos esconde a face oculta dos mercenários contratados, tão invisíveis quanto essenciais: há generais no terreno cuja segurança é garantida por mercenários. Se um mercenário morre, não entra para as estatísticas.

***

Com a situação nestes termos é que Bush veio agora lembrar-se do “novo Vietname”. Na Guerra do Vietname, na qual o jovem Bush se esquivou de combater, os EUA tentavam impedir um país de se reunificar. No Iraque, os EUA tentam segurar um país em cacos armando todas as partes.

Bush disse que quando os EUA abandonaram o Vietname milhões de pessoas sofreram. Mesmo esquecendo (como é hábito) os milhões de pessoas que sofreram enquanto os EUA não abandonaram o Vietname. É que, tal como hoje, não “podiam” abandonar: os apoiantes da guerra anunciavam que, caso os EUA retirassem, o comunismo tomaria conta do sudoeste asiático. Aí sim houve catástrofe humanitária, e uma das piores de sempre. Mas foi no país do lado, o Cambodja; quem a conseguiu deter foi o inimigo de então, o Vietcong.

Agora Bush anuncia que os EUA não podem retirar porque haverá uma catástrofe humanitária no Iraque. Mesmo esquecendo (como é hábito) a catástrofe humanitária que já temos: meio milhão de mortos desde a invasão, em estimativas por baixo. Mesmo esquecendo que essa era a razão para não ter começado a guerra. Mesmo esquecendo tudo isso, é verdade. A chantagem de Bush não é menos verdade por ser chantagem, nem menos chantagem por ser verdade. O Iraque pode cair num buraco sem fundo, certamente pior do que o Vietname quando ganhou a guerra.

Agora é que Bush viu o túnel ao fundo do túnel. Não é só um problema de compreensão lenta; é compreensão lenta e às avessas.

Amanhã continuamos.

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