Cada funcionário, e cada estado, quer rejeitar qualquer coisa. No fim, acabam rejeitando tudo, incluindo as soluções. Nenhuma boa ideia sobrevive; todas as más ideias serão testadas até à desgraça final.

“A reunião do Conselho Europeu” que decidiu o acordo para o orçamento da União até 2020, “de Europeu só teve o nome: na verdade foi uma reunião de vendedores de tapetes!” Quem disse isto? Algum esquerdista? Foi Joseph Daul, o presidente do Partido Popular Europeu de que fazem parte a larga maioria dos governos que decidiram aquele acordo — incluindo o português, tanto por via do PSD como do CDS-PP.

Enquanto escrevo estas linhas, estamos a meia hora do início da reunião do Eurogrupo que tomará uma decisão sobre a crise cipriota antes da reabertura dos mercados. Os rumores são de pressões ao presidente cipriota, e ameaças de demissão deste. Depois da decisão da semana passada, que irresponsavelmente arriscou uma corrida aos bancos e uma tempestade no euro, os nervos são justificados. Toda a gente quer saber como foi possível aquela burrada, e como é possível impedir que volte a acontecer.

Mas o que se passou não foi uma burrada, uma asneira. Foi o tipo de decisão garantida pelo sistema de decisão disfuncional no topo da União Europeia — uma bomba-relógio sem ponteiros nem mostrador, sempre pronta a explodir. E essa bomba-relógio é a instituição onde estão os nossos governos.

Não há praticamente um europeu que saiba o que é o Conselho. É quase impossível sabê-lo. Ora, todas estas instituições de que conhecemos apenas as abreviaturas — ECOFIN, Eurogrupo — e muitas outras de que não conhecemos — COREPER II e I, Conselho AG, Conselho JAI — são configurações do Conselho, uma instituição com tantas cabeças que se diria ser como a Hidra de Lerna.

Para começar, o Conselho é não uma, mas duas instituições. A de que toda a gente ouviu falar é o Conselho Europeu, conhecido pelas cimeiras entre chefes de estado e de governo, onde se faz barganha e se fecham acordos. A de que ninguém ouviu falar, mas deveria, é o Conselho da União Europeia, onde se faz lei, e se detém um veto tácito sobre o que fazem a Comissão e o Parlamento.

Ao contrário do que é normal numa democracia, no Conselho da UE não se sentam legisladores eleitos e conhecidos do público, mas dois embaixadores nomeados pelo governo (que se sentam, respetivamente, nas configurações COREPER II para os assuntos financeiros, políticos e internacionais; e COREPER I para assuntos económicos e sociais). Como já expliquei noutra crónica, defendo que Portugal eleja os seus dois “conselheiros” para os responsabilizar perante o governo, o parlamento e o eleitorado.

Nas outras configurações podem sentar-se ministros, mas os assuntos foram em geral já tratados por funcionários destacados das Representações Permanentes (REPER) dos estados-membros. Cada funcionário, e cada estado, quer rejeitar qualquer coisa. No fim, acabam rejeitando tudo, incluindo as soluções. O resultado é o que vimos nestes dois anos, na semana passada, e que continuaremos a ver, ainda agravado pelo facto de a Alemanha ter neste momento o dinheiro, o tamanho, a última palavra e nenhum desemprego. Nenhuma boa ideia sobrevive; todas as más ideias serão testadas até à desgraça final.

O Conselho é neste momento a instituição mais poderosa e mais desconhecida da União, e por ser poderosa e desconhecida, está a tornar-se perigosa. Enquanto não se entender que há aqui um problema, a União não terá solução.

(Crónica publicada no jornal Público em 25 de Março de 2012)

 

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