Já deu para perceber que José Pacheco Pereira está numa daquelas fases em que culpa a realidade por não lhe dar razão. Agora anda numa série de posts e artigos cuja amargura de fundo é notar que “se este fosse um país a sério” as pessoas teriam as opiniões que José Pacheco Pereira achasse que elas deveriam ter. A maioria das pessoas concordaria com ele, está bem de ver, ou esperaria até que ele se pronunciasse para saber o que pensavam. Mas — e este é que é o pormenor de peso — uma minoria teria opiniões tão absurdas e descabeladas que por exclusão de partes qualquer pessoa de bom senso teria de se conformar com a opinião de José Pacheco Pereira. Reparem:

«Se Portugal fosse um país a sério, nós olharíamos para o Bloco de Esquerda como ele realmente é, a face do comunismo na sua roupagem actual, que nos cartazes por todo o lado, na sua súbita riqueza propagandística, propõe soluções só possíveis em sociedades totalitárias e não democráticas. Como é possível não perceber que se a energia “é de todos”, por que razão não o é a água, a terra, as minas, as casas e por aí adiante?»

O raciocínio de Pacheco Pereira é curioso: se alguém acha que a energia é de todos, como pode não achar que a minha casa não é de todos também? Se alguém acha que a energia é de todos, como pode acabar a não expropriar as casas aos velhinhos? Se X, logo Y, ou não?

Bem, o curioso deste raciocínio é que se pode também virar ao contrário. Se achamos que as casas são privadas, o que nos impede de achar que o ar também deve ser propriedade privada e que temos todos de andar com um contador para respirar e pagar todo o oxigénio que consumirmos?

O curioso deste raciocínio é que não chega a ser um raciocínio. Se X, logo Y, é uma falácia. Indigna de um intelectual sério num debate sério. Se fosse admissível, poderíamos chegar a este argumento: “sabem que no Bloco de Esquerda há vegetarianos? se há vegetarianos, o que os impede de comer carne humana? afinal, eles são a favor de comer, ou não?!”

Num debate sério, toda a gente sabe que não há propriedade absoluta, seja ela privada ou não. E num debate sério, a discussão é sobre a diferença de opiniões sobre onde estão os limites. Pacheco Pereira quer-nos fazer crer que só numa sociedade totalitária há limites: isso faria de todos os países sociedades totalitárias. Os EUA, onde há parques nacionais, todos os países onde os cursos de água são públicos, o Brasil onde o petróleo é nacional, todos — todos seriam sociedades totalitárias. Esse seria um bom argumento para um programa de rádio da extrema-direita americana, mas não para um debate sério. Num debate sério, perde-se pouco tempo com as pessoas que acham que tudo é privado ou que tudo é coletivo. Num debate sério, perde-se ainda menos tempo com as pessoas que acham que os adversários só podem ser defensores do totalitarismo.

Não vos faço perder mais tempo, porque a intenção deste texto é a seguinte: vão comprar o Público de hoje e ler o texto de Pedro Magalhães sobre o Bairro da Bela Vista, em que se comenta o texto de José Pacheco Pereira sobre o mesmo assunto (e que foi o primeiro deste surto de “Se este fosse um país a sério”). Vejam como Pedro Magalhães, com método e paciência, deixa completamente desossado o argumentário de José Pacheco Pereira, por razões análogas às que atrás resumi, mas com mais saber e conhecimento do que o meu. Se calhar, começamos mesmo a ser um país a sério: num país a sério, há falácias que não se trazem para o debate sem ter que se pagar por isso — e levar resposta.

22 thoughts to “Num debate a sério

  • nm

    pacheco pereria é um mago da falácia, desde sempre. ínfelizmente há quem lhe leve a desonestidade a sério

  • NUNO FERREIRA

    Caro Rui,

    dessa personagem, de formação maoísta-liberal, não seria de esperar outro tipo de argumentação, pode ser incoerente em muita coisa, mas mantém sempre a mesma coerência na argumentação.

    Abraço

  • Vítor

    Isso é tudo muito bonito, mas se algum de vocês fosse pobre como eu, pior… vivesse num bairro pobre como eu, rodeado de imigrantes que se sustentam na rua com o rendimento mínimo e de inserção social (este último dá origem a algumas piadas aqui na rua), e ainda fossem brancos e portugueses e trabalhassem para ganhar 600 euros (valor facilmente superado pelos rendimentos citados, porque são sempre acumulados), etc., etc., saberiam que as palavras desta crónica de um burguês como o Pacheco Pereira, ainda assim, são um espelho dos sentimentos que as pessoas como eu sentem. A experiência, do perto, muda tudo.

  • Fraga

    Pacheco Pereira tem toda a razão! É por estar convencido que o Bloco é “a face do comunismo na sua roupagem actual” que voto no Bloco. Vermelho o quero. E deixarei de votar se se socialdemocratizar e deixar de propor um programa socialista.

  • João Cerqueira

    Pacheco Pereira, Rousseau e Santo Agostinho

    Discordo quase sempre das opiniões de Pacheco Pereira _ a sua defesa da Guerra do Iraque deveria ser analisada nos cursos de jornalismo, relações internacionais, filosofia, línguas, etc, _ mas tal não me impede de admitir que uma parte do seu artigo expõe cruamente a realidade de alguns bairros sociais.
    Ou seja, não se trate como Jean’s Valjeans condenados às galeras por terem roubado um pão para alimentar a família quem vive do crime para poder comprar roupa de marca, sapatilhas Nike e telemóveis sofisticados.
    Pois a questão é a seguinte: por que, então, não são todas as pessoas pobres ladrões e por que há ricos que, sem passarem fome, roubam milhões?
    E a resposta remete-nos quer para a responsabilidade individual quer para a natureza humana. Rousseau _ que defendia ser o meio a corromper o homem_ pode ter alguma razão, mas Santo Agostinho _ que explicava o crime pelo mau uso do livre arbítrio _ tem mais razão ainda.
    Assim, quer o banqueiro desonesto, quer o jovem pobre que assalta bombas de gasolina, devem ser punidos. Sem desculpas!
    Caso contrário, impera apenas a lei do mais forte_ ou seja, o Fascismo.

    João Cerqueira

  • anónimo

    ó meu Deus como é que alguém ainda perde tempo com o Peixeira Peco…

  • Goncalo

    O Pacheco Pereira tem razão no que diz !!!!
    A menos de cinco metros da minha casa tenho um cartaz do BE com a
    sua cara . Amanhã já lhe faço um bigode OK ?

  • gui castro felga

    ora bai lá bere, o cheque em branco. support comes in many ways 😉

  • The Studio

    A argumentação do Rui Tavares vem, mais uma vez, ferida de uma profunda desonestidade intelectual. A retórica do sr. Tavares segue o seu esquema habitual da redução ao absurdo. Apresenta uma situação equivalente mas que deixa ao leitor a clara sensação de estar errada, concluindo assim que existe erro na situação original. Nada contra o método, que seria legítimo se as situações fossem de facto equivalentes. Mas é aqui que o sr. Tavares não resiste a colocar o seu dedinho de desonestidade intelectual e apresenta como equivalentes situações que ele sabe ser distintas.

    O ar que respiramos é de todos, assim como a energia é de todos. Se o sr. Tavares quiser aquecer-se usando energia solar só tem que se colocar ao Sol. Ninguém o impede, não paga nada e disfruta da energia solar. Se quiser colocar um moinho de vento no seu quintal está à vontade e não tem que pagar a ninguém pela energia eólica de que dispõe.

    Ora, quando compara o ar que se respira com a energia em geral está naturalmente a comparar coisas distintas. Voltando ao exemplo do vento que é de todos. O sr Tavares argumentanto que o vento é de todos, acha que não deveria pagar pela electricidade produzida pelos colectores eólicos da empresa X. De facto o vento é de todos e o sr. Tavares não paga nada pela energia produzida pelo moinho do seu quintal. O que o sr Tavares efectivamente paga à empresa X não é o vento, mas sim os custos de produção, de armazenamenteo e de transporte da energia, bem como a eventual margem de lucro da empresa. Mas se o sr. Tavares não quer pagar o lucro da empresa X tem bom remédio. Como felizmente não vive no mundo em que gostaria de viver, o sr Tavares é livre de construir o seu próprio colector eólico e assim não precisa dar lucro a ninguém.

    O texto do Pedro Magalhães sobre a Bela Vista limita-se a um sermão de fé politicamente correcta. Os argumentos estão totalmente ausentes. Já agora, leu o texto da Fernanda Câncio sobre a Bela Vista? É que ao contrário do P. Magalhães, não me parece que a F. Câncio tenha agido com obscuras moticações ideológicas.

  • Neoliberalismo

    Por falar em falácias e em questões económicas, gostava de desmistificar outra: a de que o “neoliberalismo” – ou o “mercado”, nas versões menos ideologicamente inflamadas – foi o culpado pela crise global, pelos casos BPN e BPP. Pelo contrário, a parte das regras do liberalismo que falhou foi aquela em que se diz que ao Estado compete regular e fiscalizar o bom funcionamento do mercado, sem excessos. Se perdemos todos com a crise foi precisamente por o Estado não ter cumprido o seu papel de regulador e fiscalizador. E porque não cumpriu? Fácil: porque foi graças aos “excessos” desse horrendo “neoliberalismo” que milhares de famílias passaram a ter (entre muitas outras coisas) uma habitação condigna, um dos direitos inalianáveis que o socialismo pensa que se garante pelo simples facto de o escrever na Constituição. Como muito bem refere o Studio, a esquerda iluminada gosta muito de traçar grandes desígnios aspiracionais, grandes direitos inalianáveis, mas por ignorância ou desonestidade intelectual esquece-se sempre de explicar como os obter. Num debate a sério não basta dizer como deve ser o Paraíso. É preciso explicar como lá se chega e, mais importante, quem paga a conta e como? Ontem, no seu artigo no Público, Rui Tavares explica que “foi a esquerda quem mais antecipadamente previu a crise e melhor a explicou”, sugerindo que a esquerda há muito alertava para os perigos e a “irresponsabilidade” de se permitir aos bancos deixar fora dos seus livros de contas os produtos tóxicos. Esquece um pormenor – os produtos tóxicos de que fala (os créditos subprime) são exactamente os que permitiram que as camadas mais desfavorecidas da população tivessem as “habitações condignas” que a esquerda tanto apregoa. Resumindo, houve excessos? Claro que sim. Mas não foi só meia dúzia de fat-cats que ganhou com eles.

  • Neoliberalismo

    E concluindo… Nunca vi nenhum candidato (mesmo que independente) do Bloco ou do PCP, durante os tempos dos excessos do liberalismo, defender em campanhas eleitorais que as famílias que conseguiram comprar casas decentes graças às taxas de juro permitidas pelo liberalismo devessem ser despejadas ou transferidas para bairros sociais. É que sem falácias, essa é a conclusão que decorre das premissas demagógicas do Bloco de Esquerda. Tal como decorre do desejo de nacionalizar a Galp e a EDP que depois de uma medida dessas, deixava de haver investimento privado em Portugal. Nenhum estrangeiro cá gastaria um euro, e qualquer português empreendedor fugiria a sete pés. E a profecia do Pacheco Pereira cumprir-se-ia por linhas tortas: não seria o Estado a nacionalizar tudo por vontade própria, mas porque, sem privados, não teria alternativa. O problema é que, sem privados a quem cobrar impostos, também não teria dinheiro. Como propõem Rui Tavares e o Bloco resolver este dilema?

  • Isabel

    PARABÉNS!!!!

  • helena marques (lili)

    Parabéns pela vitória nas eleições europeias.

  • Nuno Oliveira

    Caro Rui Tavares, se votei no BE pela primeira vez foi sobretudo por sua causa.

    Sei que vai cumprir o seu mandato segundo os seus princípios e com sentido serviço cívico e espero que não pare de partilhar e escutar através deste blogue em nome de um parlamento transparente.

  • ABRIL DE NOVO

    Grande vitória do nosso Bloco de Esquerda. Parabéns pela eleição. A luta contínua.

  • António

    Parabéns pela eleição. Ganha-se um bom deputado, perde-se um excelente cronista.
    Temo que as minhas leituras matinais do Público vão ficar mais pobres…

  • Miguel Lopes

    Parabéns!

  • Teresa

    Foi por si que votei pelo BE.
    Muitos parabéns!

    PS – Bem dito, António. Não podia concordar mais consigo.

  • joaquim azevedo

    Parabéns pela eleição. Mas atenção, estarei atento ao seu (e dos outros dois) trabalho. A partir de hoje a responsabilidade do BE aumenta, e muito. Não basta ter votos. É preciso, agora, demonstrar que foram merecidos. Bom trabalho.

  • NUNO FERREIRA

    Parabéns pela Eleição, faço votos de um óptimo e honesto mandato de todos os deputados do BE ao Parlamento.

  • filipe franco

    Independentemente de tudo o mais, o Bloco é ou não é Comunista?

    P. S. – os meus parabéns pelo pelouro

  • joaquim azevedo

    Filipe Franco, o BE é um movimento com variadíssimas tendências, aquilo que o Francisco Louça costuma apelidar de “esquerda abrangente”. Só na última convenção houve 3 ou 4 listas candidatas à mesa nacional cada qual com a sua visão daquilo que deve ser o Bloco. Ganhou a tendência do Louçã e, como tal, é essa a linha que está a ser seguida. Não quer dizer que vá ser sempre assim, o futuro está sempre em aberto… E assim é que deve ser. Cristalizar é que não.

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