A moleza, em época de crise, é tóxica. A inconsequência, em época de crise, é uma irresponsabilidade. A esquerda que não se revê na moleza nem na inconsequência precisa de uma infusão de esperança.

Uma vez fui a uma coisa chamada “Fórum de São Paulo”, que reúne as esquerdas da América Latina. Ouvi lá das melhores análises sobre a crise económica, curiosamente da autoria de políticos peruanos. Os brasileiros do Partido dos Trabalhadores eram pretendidos por toda a gente e, se é injusto dizer que tinham o rei na barriga, tinham pelo menos o Presidente Lula. Outros partidos tinham um discurso mais datado e simplista.A certa altura houve uma espécie de comício do Partido Comunista Cubano a que assisti por curiosidade. De repente ouço uma voz perguntar-me, num tom irónico e num castelhano de sotaque francês: “¿entonces, compañero, no aplaudes a los comunistas cubanos?” Era Jean-Luc Mélenchon, que agora é a grande surpresa nas eleições presidenciais francesas. Já tínhamos conversado muito nos dois dias anteriores e ele sabia muito bem que eu não aplaudiria o Partido Comunista Cubano, muito pelo contrário.

Ficámos amigos desde esse tempo. Mélenchon sentava-se umas filas antes de mim no Parlamento Europeu. Um dia em que eu me queixava de votações sucessivamente ganhas pela direita, ele disse-me que tinha passado vinte anos no senado francês, em minoria: “não dava para fazer mais do que manter a trincheira”.

Jean-Luc Mélenchon soube segurar a trincheira, mas também soube rebelar-se quando foi preciso. Cansado da moleza do Partido Socialista francês, saiu escrevendo um manifesto contra a submissão permanente do centro-esquerda. O título era “agora chega!” — ça suffit comme ça! Mas o seu cansaço, que o levou a formar o Partido de Esquerda e a procurar uma aliança com os comunistas, era tanto contra a moleza do PS como contra a inconsequência da esquerda radical francesa. O Novo Partido Anticapitalista, de Olivier Besancenot, cheio da sua arrogância purista, quis ficar de fora de uma aliança que teria (entre outras conquistas) “roubado” o lugar de eurodeputado a Jean-Marie Le Pen. Hoje desapareceu.

Jean-Luc Mélenchon é hoje candidato a “terceiro homem” nas eleições francesas. Nenhuma sondagem lhe dá menos de dez por cento, algumas dão-lhe quinze ou mais, e algumas até o põem à frente de Marine Le Pen, o que desejo fervorosamente que ele consiga. Muita gente declara-se surpreendida. Eu não.

Jean-Luc Mélenchon sabe muito bem o que faz — e não é o único. Compreendeu que a moleza, em época de crise, é tóxica. Compreendeu que a inconsequência, em época de crise, é uma irresponsabilidade. E compreendeu que a esquerda que não se revê na moleza nem na inconsequência precisa de uma infusão de esperança.

Na Grécia, que terá eleições no próximo dia 6 de maio, há uma aventura semelhante — a da Esquerda Democrática. A Esquerda Democrática é uma coligação entre duas cisões, uma vinda dos socialistas e outra da esquerda radical: é como se em Portugal a ala esquerda do PS se aliasse aos bloquistas mais abertos. Em apenas um ano, estão nas sondagens acima dos dez por cento, e já apareceram em primeiro à frente de todos os outros partidos de esquerda.

Em Itália, temos a “Esquerda, Ecologia e Liberdade”, de Nicchi Vendola, governador da Puglia. Há diferenças entre esta gente toda. Mas há uma coisa em comum: quiseram correr riscos e fazer parte da solução. Porque hoje há soluções para lá de manter a trincheira. Mas é preciso tentá-las.

15 thoughts to “Há uma nova esquerda

  • Paulo Terça

    “é como se em Portugal a ala esquerda do PS se aliasse aos bloquistas mais abertos”… pois é. E se o PC estivesse também mais interessado em fazer algo de útil pelos portugueses em vez de andar a gerir a sua clientela de sempre, talvez se pudesse construir uma coligação à esquerda e mudar alguma coisa em Portugal. Enquanto isso não acontecer, não há esperança, Rui. Tudo continuará na mesma, isto é, tudo ficará cada vez pior. A moleza cá não é do PS, porque a cartilha do PS é igual à do PSD, apenas diferindo em algumas figuras de estilo. A moleza cá é do povo, porque o povo já não acredita que seja possível mudar.

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Acho muito oportuna esta sua frase:

    – Mas há uma coisa em comum: quiseram correr riscos e fazer parte da solução. Porque hoje há soluções para lá de manter a trincheira. Mas é preciso tentá-las.

    Sendo que as soluções são fazer diferente de tudo o que foi sendo feito na ultima decada e meia! Acho.

  • mjcarrilho

    E se o PC não estiver interessado,nem a ala esquerda do PS?

    O povo está farto de donzelas trianónicas. Há mais vida para além disso. Um projecto decente , com gente criativa e inteligente. Tb não há esperança nisso? Bem me parecia…

  • António Nunes

    Nos últimos trinta anos vivi o “fim da história” pós-queda do muro, vivi como a chamada terceira via aliviou consciências, vivi o tempo securitário para que todos tivéssemos medo, vivi, por fim, uma derrocada que me deu alguma esperança: que tivéssemos juízo. Agora, que pagamos pelos erros dos outros, como se fossem os nossos, vivo esta espécie de capitulação colectiva.
    Penso mesmo que não é possível vencer, talvez apenas mudar pequenas coisas.
    E vou percebendo que há, aqui e ali, gente com vontade de lutar, com ideias muito próximas, inteligentes, conhecedores.
    Mas também percebo que os partidos de esquerda, tal como estão organizados, são um estorvo: gente do PS que não se revê no seguidismo cego (razões de estado, dirão), gente do PCP incomodada com um foclore estafado e ensimesmado, gente do BE que o sabem condenado. E, outros, de lado nenhum por falta de opções.
    No fundo, essa nova gente tem de começar a falar conjunto, de se juntar, de criar, mais do ideias, formas eficazes de as comunicar, de chegar a quem pensa que “são todos iguais”.

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Sem duvida um projecto diferente, com gente diferente, toda!!!

    A noção de que os que estao, estao instalados e não largam o espaço, é generalizada.

    Haverá hipostese de todos os politicos de todas as correntes que estao no activo sairem e darem a vez a mais novos, sem vicios????

    Cá dentro, na Europa, e em grande parte do Ocidente????

    Sem resposta!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  • Leónidas

    Por uma vez, estamos todos de acordo… A derrota de Sarkozy permitirá á Direita voltar a crescer. Estagnada nos 20% desde Miterrand, chegará rápidamente aos 30% se Hollande ganhar. Mélenchon, claro, seria o ideal. Com ele, Marine seria Presidente antes do fim da década (que além de ajudar a salvar a França e a Europa, também faria muito pela igualdade de gênero). Tudo isto claro, se a Esquerda cumprir as suas promessas. Trágicamente, a Direita depende de uma verdadeira Esquerda para chegar ao Poder.
    Viva Mélenchon!

  • Seja mohs sé rios....

    então não há…

    Caixa de Previdência do Ministério da Educação
    Édito n.o 187/2007
    Em conformidade com o artigo 14.o do Regulamento Estatutário
    da Caixa, homologado por despacho do Ministro da Educação em
    15 de Dezembro de 2000, declara-se que Joaquim Bispo Amaro, sócio
    desta Caixa n.o 14 527, constituiu um subsídio, agora reduzido em
    E 100,71. Estando com os direitos suspensos desde 31 de Março de
    1961, correm éditos de 30 dias, a contar da data da publicação no
    Diário da República, citando o sócio referido ou os seus herdeiros,
    para comparecerem nesta Caixa, no prazo referido, a fim de regularizar
    a situação.
    5 de Dezembro de 2006.—O Administrador-Delegado, José António
    Coelho Antunes.
    3000222689
    Direcção Regional de Educação do Alentejo
    Escola Básica Integrada/Jardim-de-Infância de Alcáçovas
    Aviso n.o 5287/2007
    Nos termos do disposto no n.o 3 do artigo 95.o do Decreto-Lei
    n.o 100/99, de 31 de Março, faz-se público que se encontra afixada
    no placard de entrada dos Serviços Administrativos desta Escola a
    lista de antiguidade do pessoal não docente reportada a 31 de Dezembro
    de 2006.
    Os funcionários dispõem de 30 dias…infelizmente parece-se muito com a velha direita…

    a bem da nação canhota eu te promulgo

  • Augusto Küttner de Magalhães

    A França, sendo pouco, poderá fazer a diferença se não reeleger Sarkozy!

  • Seja mohs sé rios....

    Pois Hollande é o Obama eurropeu…

    ao menos podiam ter arranjado já não digo un pied noire ou um d’ougadougu mas assis um filho de espanhóis ou um corso anexado pela frança
    ganhava mais branco…

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Hollande sempre é melhor que Sarkozy, pelo menos não tem que andar de sapatos com tacão alto………….para se fazer maior…….

  • ....

    ou seja nem sequer se sacrifica pelo eleitorado

    até hitler perdia horas a falar para o espelho

    hollande é o estaline dos discursos…aquele gaijo tava a dormir
    já pró curso de reciclage

    e tem cá umas ideias de truz

    é como as do oba mas…

    oba oba…a frança é outra vez o motor da eurropa

    infelizmente a Roménia Caiu…falta a Holanda ir pra AA
    para distrair dos precalços dos latinos…

  • ....

    Hollande é o D.Sebastião da Eurropa

    é pena não ser como o menino de bruxelas e mijar petróleo

    dava cá um jeitão

    Gasogénio para a frança já…se demorámos 3 anos em 1940-43

    fazemos até 2015 todos os 30 milhões de carros andarem a gás

    desde que a Argélia não caia

  • ....Iste assim nã dá graças...

    ém 2012 faz 100 anos que a eurropa se afundou com o titaniko

    ninguém estava era a prestar atenção

    viver à custa das reservas dos continentes subdesenvolvidos dá só enquanto eles deixam

    filhos da mãe dos selvagens querem ser como nós…

  • Nuno Alves

    Como se pode constatar do resultado das eleições legislativas na Grécia, há aventuras que não passaram disso mesmo: aventuras. Mas houve certezas: O Sirysa. Este “partido-irmão” do Bloco representa, mais do que nunca, toda a oposição às políticas austeritárias e às concepções dividocráticas. É a esquerda grega. E a Esquerda da Democrática, de que lado se posiciona hoje? Há quem saiba manter-se firme na defesa de princípios fundadores e de valores estruturantes quando tudo parece ruir e há os outros, aqueles que têm uma visão, digamos, mais utilitarista – pragmática da política. Os primeiros subsistem apesar das contrariedades, os segundos normalmente dobram-se e submergem. A minha coluna vertebral infelizmente não me permite efectuar algumas acrobacias. Mas felizmente a anatomia humana não é semelhante na classe dos mamíferos.

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Já deixamos de ser mamiferos????’

Leave a comment

Skip to content