“Toda a Europa deve um grande agradecimento à razoabilidade e imaginação de Varoufakis. O Armagedão foi evitado. Agora vamos ao trabalho.”

Crise” é um termo médico de origem grega: o momento em que o paciente pode morrer ou melhorar substancialmente e recuperar a saúde. Por esta definição podemos dizer que a passada sexta-feira, com a aprovação de um mero comunicado entre a Grécia e o Eurogrupo, foi o momento em que a crise do euro começou a acabar.

Sei que já foram escritas inúmeras análises sobre este assunto e nenhuma tão taxativamente otimista como esta. Assumo esse risco e veremos daqui a uns meses. Mas primeiro deixem-me fazer alguns alertas.

Dizer que a crise do euro começou a acabar não significa que os nossos problemas crónicos tenham acabado, que o eurogrupo tenha decidido abolir a austeridade, ou até que não continuemos a ter estes momentos angustiantes com assustadora frequência. Já hoje teremos a análise da lista de reformas proposta pelo governo grego, depois os debates nos vários parlamentos do eurogrupo, e daqui a quatro meses repete-se tudo quando acabar este financiamento ao governo grego. Vai continuar a haver incerteza e essa incerteza continuará a gerar notícias de jornal e especulação. Mas o grau dessa incerteza vai progressivamente diminuir.

Por outras palavras, a Europa recuou na sexta um passo do precipício.

Ainda vai demorar para decidir como dar meia-volta e que direção tomar. O que é igual em importância a quando Draghi disse que o BCE faria “o que for necessário” para salvar o euro. Só quando os mercados acalmaram George Soros declarou que “a fase aguda da crise tinha acabado”. O mesmo acontece agora para a crise do “Grexit”, ou da saída da Grécia: acabar a fase aguda não nos diz nada sobre os problemas crónicos, e menos ainda sobre a convalescença. Um fim de crise, não é — sublinho a diferença — o fim da crise.

As leituras do acordo obtido são muito divergentes mas em geral negativas. Um acordo entre parceiros que nem sequer tinham “concordado em discordar” teria de ter sempre muita ambiguidade. No máximo, o que eles fizeram agora foi “discordar em concordar”.

É preciso notar, porém, que este acordo foi muito menos mau do que é dito. O fim da troika e a negociação direta com cada instituição, como sabe quem tenha experiência desta, vai muito para além da nomenclatura. O objetivo principal dos gregos, flexibilidade no saldo primário, foi obtido. As reformas serão aprovadas pelas instituições europeias e pelo FMI, mas sem direito de veto da Alemanha — e, mais importante, são propostas pelos próprios gregos. Quem achar que consegue melhor, acabado de eleito, com 18 ministros-credores à sua frente, é um grande político imaginário.

No mundo real, toda a Europa deve um grande agradecimento à razoabilidade e imaginação de Varoufakis. O Armagedão foi evitado. Agora vamos ao trabalho.

— A acabar, uma palavra para o nosso governo. Se se confirmarem as notícias de que Portugal pressionou a Alemanha para ser mais dura com a Grécia, o governo de Pedro Passos Coelho portou-se com dolo contra o interesse nacional e europeu. Se, com o euro e a União à beira do precipício, a posição portuguesa foi dificultar o passo atrás, isto justifica uma moção de censura, e espero que pelo menos um partido da oposição parlamentar a apresente.

(Crónica publicada no jornal Público em 23 de Fevereiro de 2015)

One thought to “Fim de crise”

  • Miguel Lopes

    Caro Rui,

    Leio os seus textos no Público há anos e nunca o vi dourar a pílula a este nível. Percebo que se identifique pessoalmente e pelo seu novo projecto com o Syriza, mas devia ser mais objectivo no que escreve.

    Aqui vão uns reparos:

    O Euro e a união europeia não estão à beira do precipício. A Grécia está à beira do precipício. Por isso é que os Gregos cederam em praticamente todas as frentes.

    A troika continua como estava.

    A Alemanha continua com o seu direito de veto, porque extensões ao resgate ou novos resgates continuam a ser votados nos parlamentos de cada país.

    Ao contrário do que diz, as reformas estruturais podem sempre ser decididas pelos próprios países. A Troika recomenda e aprova as medidas. Mas mesmo em Portugal muitas medidas pedidas pela Troika foram substituídas por outras equivalentes.

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