Titanic - 1912

Isto não são datas, somente datas. São memórias de como a história às vezes nos foge descontrolada.

O que me interessa no naufrágio do Titanic é o que aconteceu depois. Quando os passageiros embarcaram no grande paquete transatlântico, há pouco mais de cem anos, ainda havia um mundo, o da Europa Imperial, com mais do que apenas vestígios de Antigo Regime, e todo um otimismo industrial-colonialista para supostamente o levar à glória. Em 1912 havia um Império Austro-Húngaro; havia um Império Otomano; havia um czar na Rússia; havia um Império Alemão que era o herdeiro da Prússia Imperial. E não é só que “havia” este ou aquele império. Parecia que sempre tinham estado ali (embora não fosse verdade) e que ali continuavam para durar.
Na verdade, todo esse mundo estava à beira da falésia sem o imaginar. As ideias que o sustentavam tinham se esboroado já. O que não quer dizer que houvesse falta de novas ideias — nem que elas fossem boas. No ano de 1912, lembra o historiador austríaco Philipp Blom (em The Vertigo Years — Europe 1900-1914), teve lugar o Iº Congresso Internacional de Eugenismo, para promover as teorias do melhoramento genético, sustentadas na hierarquia biológica das raças. A superioridade das raças nórdicas, a esterilização dos física ou mentalmente débeis e a criação deliberada de uma geração de super-homens através de casamentos escolhidos entravam na moda. O inventor da palavra “eugenia”, a partir do grego para “os bem nascidos”, um primo de Darwin chamado Francis Galton, notava com satisfação como o termo tinha pegado: “agora, quando nasce uma criança fraquinha, ouço até as matronas da classe média dizendo: ah, não foi um casamento eugénico!”. Os trabalhos do Congresso abriram em Julho, sob presidência de um filho de Darwin. Entre os vice-presidentes de honra estavam o inventor do telefone, Alexander Graham Bell, e um jovem político inglês que tinha proposto em segredo, enquanto ministro, a esterilização de cem mil súbditos de Sua Majestade Imperial: Winston Churchill.

Espanta até que entre os participantes do Congresso, que incluía uma generosa delegação de bávaros e prussianos, ninguém tenha tomado o naufrágio do Titanic como um sucesso da eugenia. Com efeito, entre os sobreviventes do naufrágio encontravam-se desproporcionalmente membros das “classes superiores”. Mas (como ouvi recentemente Eduardo Paz Ferreira notar, num colóquio da ATTAC) sabemos que esse facto não foi uma prova “da sobrevivência dos mais fortes” mas talvez antes da guerra contra os mais fracos: enquanto os passageiros da primeira classe eram evacuados, não havia botes que chegassem para os da segunda, e os da terceira ficaram encurralados no interior do barco.

Como toda a gente sabe, o Titanic afundou por ter raspado num iceberg. Três anos depois foi afundado outro grande paquete transatlântico, o Lusitania. Mas desta vez a causa foi já um torpedo lançado por um submarino alemão.

Os impérios estavam agora numa guerra mundial. Os meros três anos que transcorreram entre os naufrágios do Titanic e do Lusitania parecem ter visto mudar mais coisas do que os trinta anos anteriores. Se formos até 1917 e ao fim do império Russo, são cinco anos (em 1912, Lenin era só líder de uma cisão de um partido no exílio) que mudaram mais do que os cinquenta antes. Em 1918, finalmente, metade dos impérios tinham levado sumiço.

Isto não são datas, somente datas. São memórias de como a história às vezes nos foge descontrolada.

Onde estaremos em 2015?

6 thoughts to “Datas, somente datas

  • António Nunes

    Em 2015 se houver, espero que não, outro Titanic a naufragar, o número dos sobreviventes será, uma vez mais, desproporcionada (se os botes não forem suficientes).

    Na realidade, o meu 2015 é até ao final do ano. Manter o emprego, manter a casa…

    Utopias de um país novo? Nem os que o são, verdadeiramente. Perdem-se logo. Criam-se fossos (logo à partida). Eugenias há muitas.

    Referiu há tempos, os Encontros de Baucau, em Timor-Leste. O que viu por lá? Quantos USD por habitante gastos naquele país pela comunidade doadora? Um milhão de pessoas! A clivagem começou logo aqui. Os BMW e a Idade da Pedra. Os dados estão lançados e os lados bem definidos.

    Por cá (e por lá), talvez a consanguinidade consiga, dentro de algumas gerações, aquilo que, por mais manifestações e greves, os cidadãos não conseguem.

  • Augusto Küttner de Magalhães

    Será necessário mudar muito em tudo, aqui no País, aí na europa, por cá Ocidente.

    E parece não haver quem mude – não se querem Salvadores!!!!!!!!!!!-parece que todos sentimos que está mal, mas verdadeiramente se espera que por milagre tudo se resolva….e não vai haver milagre.

    Parece que os Parlamentos locais e Centrais, não funcionam, são sempre mais do mesmo, com os mesmo….e multiplicando à escala Ocidental, é tudo igual!!!

    Porquê???????

  • João Eduardo

    E a história repete-se.

    Titanic, iceberg -> I e II guerra mundial.
    Dinheiro muda de continente.

    Twin Towers, aviões suicidas. Guerra no Iraque e outros casos. Dinheiro muda de continente.

  • Seja mohs sé rios....

    24 de Abril de 2012 at 9:47

    E a história repete-se
    é uma história velha de lápis azuis e vermelhos

    e de fumos da índia

    e de velhos do restelo ao campo grande

    e de armadas e emaudios invencíveis

    tudo passa pá…coisinho

    o parlatório nã foi malo …deve ter sido por isso que te escolheram para o eurromilhões

  • Augusto Küttner de Magalhães

    A História repete-se sem duvida, a seu tempo e espaço, mas nós esquecemos……………perdemos a Memoria!!!!

  • ....Iste assim nã dá graças...

    nyet ninguém perde a memória

    geralmente reprime as memórias desagradáveis

    é por isso que a histeria parece arrepetir-se

    ninguém gosta de se alembrar que a histerica historia é uma fabricaçã humena feyta com alinhavos

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