É ridículo combater a evasão fiscal com carros sorteados por faturas de cabeleireiro, quando as multinacionais fogem com todo o dinheiro que entendem por cima das nossas cabeças — e mesmo as grandes empresas nacionais o fazem através da Holanda.

A corrupção contribui para a corrosão, ou seja, o minar da credibilidade das instituições públicas. Mas a corrosão não se dá apenas por efeito de crimes, ou atos ilegais.

Vamos voltar aqui a um dos grandes escândalos morais dos dias de hoje, emblematizado pelo caso Luxleaks. É tudo perfeitamente legal. Alguns países europeus — por acaso, entre eles aqueles que exigem austeridade aos outros para que equilibrem as contas — organizam-se com as multinacionais para, por debaixo da mesa, roubar aos outros os impostos sobre as transações que se realizam no território das vítimas. É claro, “roubar” e “vítimas” são palavras aqui usadas com certo risco: se é tudo legal, não há roubo, e se não há roubo não há vítimas. Mas então que chamar às centenas de milhares de milhões de euros que já se comprovou que saem dos nossos países em direção, pelo menos, ao Luxemburgo, para que não paguem impostos?

Se há razão para minar a credibilidade da União Europeia, é esta.

Ao olhar para os números da evasão fiscal e do planeamento fiscal agressivo, facilmente entendemos que aquilo por que passámos nos últimos anos poderia ter sido, se não inteiramente evitado, pelo menos grandemente minorado. De caminho entendemos que é ridículo combater a evasão fiscal com carros sorteados por faturas de cabeleireiro, quando as multinacionais fogem com todo o dinheiro que entendem por cima das nossas cabeças — e mesmo as grandes empresas nacionais o fazem através da Holanda.

Compreendemos ainda que, a este respeito, o centrão europeu está bem e recomenda-se. O homem central no escândalo Luxleaks é o novo presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro e ministro das Finanças do Luxemburgo Jean-Claude Juncker — o mesmo que enquanto presidente do Eurogrupo presidiu à invenção das troikas. Ele é agora apoiado pelo Partido Popular Europeu, pelos socialistas e pelos liberais. E, já agora, percebemos também que as posições sobre isto não são determinadas por lealdades nacionais: há políticos dos países do Sul a defender Juncker, tal como sempre encontrei colegas holandeses dispostos a denunciar o seu próprio país enquanto paraíso fiscal e ladrão de impostos de empresas portuguesas.

Bem, mas as coisas podem mudar agora. Se ainda escapava a justificação dos partidos do centrão europeu para não apoiar uma moção de censura contra Juncker para não dar uma vitória à extrema-direita, não se entende a nova trincheira de populares, socialistas e liberais europeus: impedir a formação de uma comissão de inquérito ao escândalo Luxleaks. Ao optarem por um mero relatório de iniciativa que pouco efeito terá, estes partidos estão a franquear a linha entre não demitir Juncker e serem objetivamente seus cúmplices, ajudando-o a livrar-se do escândalo. Isto é particularmente grave por parte dos socialistas europeus dos países-vítimas.

Se o caso também o preocupa, use as ferramentas da democracia. Escreva pelo menos a todos os eurodeputados portugueses — os endereços de email são públicos — e peça-lhes para apoiarem a comissão de inquérito ao escândalo Luxleaks. Não aceite que lhe fujam com os impostos, e não aceite que lhe fujam sem uma resposta.

(Crónica publicada no jornal Público em 03 de Dezembro de 2014)

One thought to “Corrupção e corrosão”

  • Álvaro Ferreira de Melo

    A corrupção só se consegue exterminar desde que haja leis eficiêntes.

    A autoridade fiscal possa controlar com afinco e com meios.
    Não gosto da alemanha, mas nisso ela esta muito avançada no controlo da corrupção.

    A população possa coerentemente exercer a sua actividade sem que os seus recursos financeiros escassos sejam de inicio postos para pagar impostos, antes da própria actividade produzir dividendos e esses sim serem taxados.
    Para isso toda e qualquer actividade tem que ter um sistema computorizado a fim da sua actividade económica ser controlada dia a dia.

    Toda e qualquer actividade ter direitos iguais e não preferências no que toca a sua contribuição para o bem estar colectivo.

    Todo o gestor ser responsabilizado pelo mau uso das finanças de uma empresa. Tendo que responder com os seus bens, até ao limite da sua subrevivência.

    Muitas outras situações podem limitar a corrupção.

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