Foto: Miguel A. Lopes/LUSA

 | Do arquivo Público 28.06.2017 | Quando soube que Passos Coelho tinha anunciado erradamente o suicídio de sobreviventes do incêndio de Pedrógão Grande, por falta de acesso a cuidados de saúde mental, tive por ele um tipo especial de pena. Não tanto a comiseração que se tem por quem é humano e erra, embora esse tenha sido o caso. Mas principalmente o desgosto que me aflige cada vez mais perante uma política apressada, estridente, feita para competir com as mais apressadas e estridentes opiniões nas redes sociais, sempre na crença de que chamar permanentemente a atenção é mais válido do que tomar tempo, refletir, falar depois de pensar. Esse tipo de política apressada dá-me pena, e não é uma pena boa. Dá-me medo, também, ao ver que há tantos políticos reféns dela.

Mas que Passos tenha sido só traído pela forma, por penoso que tenha sido, é o que torna necessário escrever sobre o que se passou. O conteúdo é mais importante do que a forma.

Aquilo de que Passos queria falar — a prestação de cuidados de saúde mental às vítimas — é importante. Oxalá os políticos portugueses falassem mais de saúde mental. Noutros países este é um tema que vai pouco a pouco saindo do silêncio envergonhado a que o preconceito o votou durante séculos.

Portugal, que tem um Plano Nacional de Saúde Mental praticamente por implementar desde que foi lançado, em 2007, precisaria de mais e não menos debate sobre este tema. Em particular no interior, despovoado e envelhecido, assolado pela solidão e pela pobreza, seria essencial reforçar os meios de acompanhamento à população. Obviamente, não é isso que se passa. Há distritos inteiros servidos por apenas um ou dois psicólogos do Serviço Nacional de Saúde. Há autarquias que tentam compensar estas falhas, mas a regra ainda é a de não haver mais do que um psicólogo por muitas dezenas de milhares de pacientes. Enviar apoio psicológico após uma emergência é obviamente necessário. Mas se queremos mesmo ajudar a evitar que os sobreviventes soçobrem e que aí, sim, haja suicídios silenciosos quando Pedrógão Grande já tiver saído das páginas dos jornais — então nesse caso precisaremos de pensar o apoio psicológico às vítimas e à comunidade no tempo longo. Espero que não falte essa reflexão nos ensinamentos a retirar da tragédia.

Isso significa também repensar quais devem ser as funções do estado na sociedade desigual e no território assimétrico que Portugal é hoje. Passos quis, na sua pressa, alegar que o estado “falhou e continua a falhar” às vítimas. Gostaria de pensar que essa conclusão fosse, no seu caso, mais do que uma frase de efeito ou uma arma de arremesso. Gostaria de pensar que essa frase fosse, no caso de Passos, o resultado de um caminho e de uma reflexão. Passos entrou na liderança do PSD defendendo um estado mínimo — inclusive com uma proposta de revisão constitucional de onde desapareceria a expressão “tendencialmente gratuita” aplicada à saúde. Como Primeiro-ministro, Passos liderou o mais radical período de diminuição das funções do estado português nas últimas décadas. A quantidade de coisas que Passos nos disse que “não são vocação do estado” encheriam uma longa lista. Espero que Passos entenda agora que a vocação do estado tem de ser mais do que aparecer quando a tragédia bate à porta.

Se assim fosse, talvez algo de útil ainda se pudesse tirar do erro de Passos. Já que parece difícil ter políticos que parem para pensar, ao menos seria bom ter políticos que se lembrassem do que disseram antes.

(Crónica publicada no jornal Público em 28 de junho de 2017)

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