|Do arquivo Público 11.09.2017|

Hoje, 11 de setembro, é previsível que centenas de milhares de catalães saiam às ruas como fazem todos os anos na jornada a que chamam “Diada”. Trata-se da comemoração de uma derrota: aquela que, em 1714, encerrou por séculos a questão da independência da Catalunha, no fim da Guerra da Sucessão espanhola.

A decisão, por parte do Estado português,

de se manter afastado das querelas espanholas e das ambições independentistas das outras nações históricas peninsulares é impecável e absolutamente sábia. Ninguém no seu perfeito juízo pode sugerir que ela deva ser alterada. O que não se compreende bem é a ausência de debate sobre Espanha na sociedade portuguesa, mesmo quando a questão da independência da Catalunha é tema quotidiano no país vizinho. Na nossa academia, tal como nas redações e no mundo cultural, parece reinar a ideia (ou o preconceito) de que a questão catalã e as suas consequências para a Península e para a Europa é um daqueles temas que dá para ir empurrando com a barriga porque, na verdade, nunca chegará a uma “hora da verdade”. Quando, há uns anos, se realizou uma consulta popular na Catalunha sobre a independência, não faltaram editoriais a desvalorizar o caso e a dar por encerrada a possibilidade de nascer um novo país no nosso espaço geográfico. O mesmo ocorreu quando as listas independentistas ganharam as eleições autonómicas. E o mesmo está para acontecer, por antecipação, em relação ao referendo que o governo catalão quer realizar no dia 1 de outubro, e que o governo espanhol quer impedir.

Pois bem, acordemos para a realidade: a questão da independência da Catalunha é para levar muito a sério. Independentemente (passe o trocadilho) de haver ou não referendo no próximo dia 1 de outubro. Independentemente de, caso haja referendo, o governo espanhol pretender inabilitar os governantes catalães para o exercício de cargos públicos. Engana-se quem pensar que essa é uma ameaça para a qual os líderes catalães não estejam preparados e cujas consequências não estejam dispostos a aceitar. Engana-se ainda mais quem pensar que, por detrás desta geração de dirigentes catalães, não há uma outra capaz de suceder-lhe e ainda mais firme na defesa do que acreditam ser o seu direito a decidir.

Além de ser para levar a sério, a questão catalã veio para ficar. Ela vai colocar-nos perguntas inevitáveis não só para a Península Ibérica como sobretudo para a UE. Se os portugueses fossem um pouco menos discretos na forma como a abordam, talvez finalmente alguém de muito próximo pudesse dizer a verdade aos nossos amigos e irmãos espanhóis: o vosso governo está a fazer tudo tão errado que até parece que deseja garantir a independência da Catalunha. Não há melhor forma de fomentar o independentismo entre os catalães do que proibi-los de votar num referendo.

(Crónica publicada no jornal Público em 11 de setembro de 2017)

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